Um (filosofia)
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O Um ou Uno é um conceito filosófico grego que é fundamentado pela primeira vez no diálogo Parmênides por Platão e primordial em sua Teoria das Ideias. Relacionado à Mônada do pitagorismo e ao questionamento da unidade versus multiplicidade (problema do um e muitos) pelos pré-socráticos, foi desenvolvido posteriormente por outros platonistas e neopitagóricos, especialmente no neoplatonismo por Plotino e seus sucessores. Henologia refere-se ao estudo do Um.
Plotino define o "Uno" como uma entidade suprema, totalmente transcendente, além de todas as categorias do Ser e Não-ser. O primeiro princípio do qual todas as coisas existentes derivam. Ele é relacionado ao conceito de Absoluto e de Causa Primeira. A unidade transcendente é a propriedade que todo ser possui, caso contrário, não seria.[1] O Um só pode ser o primeiro princípio se estiver "para além do Ser". O Uno não é qualquer coisa existente, nem simplesmente a soma de todas as coisas, mas "é antes de tudo existente".[2] Essa visão, compartilhada pelos neoplatonistas, que faz do Uno um princípio ontológico primário no diálogo de pensamentos entre os gregos, é também citada por Aristóteles, para quem "o Um não é nada além que o Ser".[1]
Este conceito de representa uma verdadeira ruptura com o modo tradicional grego de pensar, que até então identificava a unidade com o Intelecto e o Ser.[2] Plotino, seguindo Platão, identificou o Uno com o conceito de Bem e o princípio da Beleza.[3] Por ser um poder imenso, contém todas essas noções e é capaz de gerar tudo, também levando o nome de Bom.[4]
Histórico
[editar | editar código-fonte]Historicamente, essa noção decolou na filosofia a partir do neoplatonismo de Plotino em meados do século III. Gramaticalmente, a palavra "um" é usada aqui como substantivo e com letras maiúsculas: Um, como Deus ou Ser. A palavra se opõe principalmente a Múltiplo (de Platão) e entra na lista de transcendentais (com Ser, Bom, Verdadeiro, Bonito ... que estão além das categorias e podem ser converter: Um = Bem = Belo).
Podemos diferenciá-lo da “Mônada (μονάς), unidade numérica”, e “a unidade numérica resulta do fato de que a matéria é Uma” (Aristóteles, Metafísica, Delta/V, 6); o ponto é indivisível, a linha é divisível apenas em um sentido, a superfície em dois, o volume em três (comprimento, largura, profundidade). Há um vínculo entre o Um-princípio e o Um-mônada uma vez que o primeiro é medida, unidade de medida, medida de números, e que o domínio dos números vale como modelo de medida (Aristóteles, Metafísica, Delta, 6; N, 1). Para os pitagóricos (Nicômaco de Gerasa) e Plutarco, "o Um é de uma só vez par e impar" e é "bissexual" (arsenothêlu).[5]
Euclides dá essas definições em seu Elementos, livro VII:[6]
- Unidade é aquilo segundo a qual cada uma das coisas existentes é dita uma. 2. Um número é um conjunto composto de unidades.
Pode-se opor o Um-princípio, metafísico, e o Um-gênero, Unidade, noção lógica que todos aceitam. Falar do Uno é bastante idealista, enquanto buscar a unidade é simplesmente racional.
A ciência do Uno (έν) é chamada henologia, como a ciência do Ser a ontologia. Essas duas disciplinas filosóficas estão ligadas, pois um e ser são conversíveis: tudo o que tem ser tem unidade, tudo que tem unidade, tem ser. A máxima de Boécio "O um e o ser são recíprocos" (Unum et ens convertuntur) permaneceu um princípio de metafísica escolar até o século XVIII.[7] Leibniz diz:
O que não é verdadeiramente ''um'' também não é verdadeiramente ''ser''. (Correspondência com Arnauld, abril de 1687).
Entre os filósofos gregos, a noção de unidade assume sua importância em Xenófanes de Cólofon, por volta de 540 a.C. Platão testemunha isso:
A gente eleática, começando com Xenófanes e ainda antes, vê apenas uma unidade no que chamamos de Todo. (Sofista, 242d)
Xenófanes fala que "Deus é Um, o maior dos deuses e dos homens, não é como os mortais em corpo ou em mente" (fragmento 23). Heráclito também aborda conceitos sobre o Um, como a concordância de opostos;[8] em seu fragmento 50, afirma: "Quando você ouvir, não a mim, mas à Lei (Logos), é sábio concordar que todas as coisas são um."[9]
Pitagorismo
[editar | editar código-fonte]Entre os pitagóricos (desde Filolau, por volta de 400 a.C.), o Uno é a Mônada, a unidade original da qual derivam as séries de números, a Década ou o conjunto dos dez primeiros números inteiros. Mas o Um é ao mesmo tempo princípio e elemento, porque deriva dos dois "primeiros princípios", o Limite e o Ilimitado.[10] Cosmogonicamente, os dois princípios (Limite e Ilimitado) geram o Um (que é ímpar e par), o qual gera os números (ímpares ou pares). Mais tarde, as Memórias Pitagóricas, do século II a.C., dizem:
O princípio de todas as coisas é a Mônada; da Mônada deriva a Díade indefinida, para desempenhar o papel de matéria subjacente à Mônada, que é a causa ativa; da Mônada e da Díada indefinida derivam os números, dos números os pontos, destes as linhas, destas as figuras planas, dos planos os sólidos, dos sólidos os corpos sensíveis [objetos dos sentidos], dos quais os elementos são quatro em número — fogo, água, terra, ar.
— trad. para o francês por André-Jean Festugière
Arquitas e Filolau usam os termos 'um' e 'mônada' de forma intercambiável
—Téon de Esmirna, "Apresentação de Conhecimentos Matemáticos Úteis para a Leitura de Platão".
Entre os pitagóricos como Alcmeão de Crotona, o Uno não é mais o primeiro. Segundo J.-P. Dumont, é necessário estabelecer a seguinte ordem: 1) Princípios (Limite e Ilimitado); 2) Elementos: �mpar e par; 3) O Um, mistura; 4) o n�mero (e consequentemente o C�u, que � n�mero, bem como todos os seres que ele envolve).[11] Segundo Arist�teles,
o n�mero �, para os pitag�ricos, princ�pio ..., os elementos do n�mero s�o o par e o �mpar, sendo o �ltimo limitado e o primeiro ilimitado; o Um procede desses dois elementos, pois � par e �mpar; o n�mero procede do Um e o C�u, em sua totalidade, � n�mero (Metaf�sica, A, 5).
Platonismo
[editar | editar c�digo-fonte]Euclides de M�gara, disc�pulo de S�crates, identifica, antes de Plat�o, o Um e o Bem.[12] Em seu famoso poema, Parm�nides, por sua vez, fala de Ser em termos que sugerem fortemente uma identifica��o com o Uno, tornada ainda mais plaus�vel por causa do seguinte.
Plat�o, em A Rep�blica[13] identifica o Um e a Ideia do Bem, princ�pios de toda exist�ncia e todo conhecimento, cuja beleza transcende toda express�o; O Um est� acima do Ser[14][15] No di�logo de Parm�nides, o Uno � o princ�pio da unidade subjacente � multiplicidade de Ideias e dos fen�menos. Nele, tr�s hip�teses prim�rias de Plat�o foram consideradas pelos neoplatonistas:[16][17][18]
- Hip�tese 1. O Um � o Um, escapa ao ser, ao conhecimento e � fala:[19] n�o pode ser algo mais que Um, porque ent�o seria m�ltiplo e, portanto, n�o seria. Esse Um absoluto, que n�o participa da subst�ncia das coisas, fascinou particularmente os neoplatonistas;
- Hip�tese 2. O Um que � ou Um-ser, isto �, ele � o ser,[20] �, portanto, m�ltiplo, aceita todos os opostos, mas � conhec�vel e podemos dizer tudo sobre ele;
- Hip�tese 3. O Um � e n�o �,[21] ele muda, � instant�neo.
Em seu Parm�nides, em uma primeira hip�tese, Plat�o apresenta um Um que � superior a toda distin��o, a qualquer atribui��o, de modo que n�o se pode nem dizer que existe. Numa segunda hip�tese, mostra um Um que � pura multiplicidade, uma vez que � Um que � (tem ser), e que deve-se admitir que entre a Ideia de Um e a Ideia de Ser existe uma comunica��o e, havendo tal comunica��o parelha, ainda deve haver uma comunica��o entre essa comunica��o e cada uma das duas Ideias, portanto ad infinitum. Plat�o em seguida nega cada uma dessas duas hip�teses e prop�e a ideia de uma unidade que � a unidade de multiplicidades, o que justifica sua teoria das Ideias, porque uma Ideia ou Forma � uma totalidade que engloba particularidades. Esse ent�o � o Um-M�ltiplo.
Em sua doutrina n�o escrita, Plat�o apresenta dois "primeiros princ�pios", dois g�neros supremos eternamente opostos: o Uno e a D�ade indefinida, cuja intera��o gera Ideias e N�meros.[22] O Um e a D�ade n�o s�o n�meros, mas fontes de n�meros: "� a partir desse Um que o n�mero ideal � gerado",[23] "a D�ade indefinida � a geratriz da quantidade".[24]
H� dualismo entre os princ�pios, M�nade e D�ade. O Um � a Ideia do Bem, est� al�m do ser, � o Limite (a no��o � positiva, entre os gregos). � o g�nero supremo, a medida dos n�meros, a condi��o da qual todos os seres derivam, a causa da verdade e a fonte da excel�ncia (virtude). No outro extremo, "a D�ade indefinida do Grande e do Pequeno" � alteridade, desigualdade, dissimilaridade, movimento.[25][26]
Para Espeusipo, que nega as Ideias de Plat�o e as substitui por N�meros de acordo com o Pitagorismo, o Uno � o princ�pio prim�rio, acima do ser, e se distingue da M�nada, o princ�pio dos n�meros. Ele deriva o ponto do Um (e ent�o, como Plat�o, do dois: a linha, do tr�s: o plano, do quatro: o volume).[27]
Aristotelismo
[editar | editar c�digo-fonte]Arist�teles (Metaf�sica, Delta/V, cap. 6), rejeita as Ideias de Plat�o, incluindo o Um, t�o abstrato em Plat�o e que na realidade � dito "em v�rios sentidos": "A unidade n�o � a mesma em todos os g�neros" (na m�sica, gram�tica etc.). A unidade � acidental (quando, por exemplo, fala-se "Coriscos instru�do", combinando o nome "Coriscos" e "Instru��o") ou essencial e por si s�. Arist�teles admite quatro modos de unidade: o continuum material (por exemplo, um pacote), um mesmo substrato primordial ou �ltimo (por exemplo, a �gua, indivis�vel), um g�nero comum a v�rias esp�cies (por exemplo, animal para cavalo, homem, cachorro), e finalmente uma defini��o essencial e invari�vel (por exemplo, para "superf�cie", porque tem "sempre comprimento e largura"). Arist�teles lista os modos de um:
Existe o Um em cada um desses modos: o Mesmo, que � aquele em que a subst�ncia � uma; o Similar, em que a qualidade � uma; o Igual, em que a quantidade � uma. (Metaf�sica, Delta, 15, 1021 a).
Neopitagorismo
[editar | editar c�digo-fonte]Eudoro de Alexandria postula um princ�pio fundador, absolutamente transcendente, e depois um par de opostos que dele resultam:
- A M�nada (Limite, Forma);
- A D�ade (Ilimitada, Mat�ria), constituindo o segundo Um.
Enquanto a D�ade � o arqu�tipo da mat�ria, a M�nada � o das id�ias, que integram o Logos, cuja a��o sobre a mat�ria realiza o universo. Desta sucess�o do Um supremo, do Um composto de M�nada e D�ade e do Logos como unidade de uma multiplicidade, manifestam-se tr�s deuses ordenados segundo uma hierarquia e cujos primeiros tra�os s�o percept�veis nas tr�s primeiras hip�teses do Parm�nides de Plat�o, bem como na carta II do Pseudo-Plat�o.[28] A concep��o de Eudoro de Alexandria � relatada por volta de 535 por Simpl�cio da Cil�cia em seu Coment�rio sobre a 'F�sica' de Arist�teles, 181.
Moderato de C�dis, fil�sofo neopitag�rico e plat�nico ativo por volta de 90 d.C., tamb�m reporta a Plotino, porque coloca o Um acima das Formas.
O primeiro Um est� acima do Ser (para einai) e de toda ess�ncia (ousia). O segundo Um, o Ser verdadeiro e intelig�vel, s�o as Formas. O terceiro, ou Um ps�quico, participa do [primeiro] Um e das Formas. Ent�o, o �ltimo grau da natureza s�o as coisas sens�veis, que n�o participam do grau superior [da realidade], mas s�o ordenadas por sua reflex�o ou manifesta��o. A mat�ria nas coisas sens�veis � uma sombra do N�o-Ser, cuja forma primitiva � a Quantidade (poson).[29]
Neoplatonismo
[editar | editar c�digo-fonte]Num�nio de Apameia (cerca de 155):
O primeiro Deus [o primeiro Um] n�o opera e ele � verdadeiramente rei, enquanto o Deus que governa tudo, atravessando o c�u, � apenas Demiurgo [o segundo]. � por isso que participamos da Intelig�ncia ("to no�ton") quando ela desce e � comunicada a todos os seres [o terceiro Um, como Alma do Mundo ou cosmos ou centelhas de Deus] quem podem receb�-la.
Plotino, entre 254 e 270, em En�adas, contra Num�nio, pensa que o Um transcende o intelecto. Sup�e tr�s hip�stases, princ�pios divinos: o Um, o Intelecto, a Alma. O Uno � Bem, unidade absoluta e plenitude. Dele brota todo ser, mas tamb�m toda beleza. "A luz est� inseparavelmente ligada ao Sol, de maneira semelhante o ser tamb�m n�o pode ser separado de sua fonte: o Uno." O Um � a unidade absoluta, o acesso mais direto a ele � imposs�vel.
Nenhum nome lhe � conveniente, no entanto, j� que ele deve ser nomeado, ele deve ser chamado de Um, mas n�o no sentido de que seja uma coisa que tenha ent�o o atributo de um. (En�adas, VI, 9, 5)
O Um se escoa por causa de sua superabund�ncia, como radia��o, emana��o. Da� nasce o Esp�rito, o Intelecto (No�s), que representa a esfera das Ideias, ou seja, arqu�tipos eternos de todas as coisas. Ent�o vem a terceira hip�stase depois do Uno e do Intelecto: a Alma, que, como a Alma do Mundo, cont�m todas as almas individuais. A ascens�o ao Um � contemplada por Plotino como um processo de purifica��o. O �mpeto � o amor da Beleza e do Um originais.[30] Alguns acad�micos j� tentaram associar as tr�s hip�stases de Plotino com as tr�s hip�teses sobre o Um de Plat�o,[16] em que o Um de Plotino corresponde ao Um do Parm�nides (137-142) e da Rep�blica VI de Plat�o; o Intelecto corresponde ao Um m�ltiplo da segunda hip�tese de Plat�o (142-155) no di�logo Parm�nides ou ao Demiurgo do Timeu; a Alma corresponde ao Um de uma s� vez uno e m�ltiplo da terceira hip�tese de Parm�nides (155-157) (En�adas, tratado 10: V.1, � 8 : "Sobre as tr�s hip�stases que t�m posi��o de princ�pios"). Plotino tamb�m se baseia na carta II (312e) atribu�da a Plat�o ("Em torno do rei de todas as coisas est�o todas as coisas. . . Em torno do segundo est�o as coisas de segundo grau; e em torno do terceiro, as coisas de terceiro grau.")
Os neoplat�nicos pitag�ricos (como Siriano, Nicômaco de Gerasa, Jâmblico) igualaram o Um à Mônada. Jâmblico (250-330) radicalizou Plotino.
Ele considera a noção de causa da procissão universal e a fonte de determinação universal incompatíveis com o princípio da transcendência absoluta do Uno. Assim, para superar a inconsistência, ele separa o Uno do Inefável. Este último é o "princípio absolutamente indescritível", um princípio único do todo, acima dos seres reais e princípios universais, a fonte e o fundamento de tudo. O Um é subordinado a ele. Em segundo grau, depois do Inefável, ele é perfeitamente indeterminado, além do ser e da própria unidade. Definido como Um absoluto, Um puro ou Um-todo, tem a função de causa preexistente do ser. Plotino já havia atribuído essa função ao Uno, porque produz o noûs-noêtov, ou seja, o ser e a multiplicidade de formas.[31]
Proclo (412-485) faz tudo se derivar e retornar ao Um. "Toda pluralidade participa do Uno em qualquer modo", e o Um é Ser, Vida, Espírito.[32]
A metafísica do Uno
[editar | editar código-fonte]"Se podemos dizer de cada coisa que ela « é », é graças à Unidade e também ao idêntico", escreve Plotino nas Enéadas, relata Étienne Gilson.[33] Deve-se ao "Um" a unificação da multiplicidade da qual tudo é feito. Se existe algo livre de toda multiplicidade a unificar, é o próprio "Um", o princípio de toda unidade e, portanto, de todo ser. Nesta metafísica geradora do "ser", o "Um" também é uma condição para a inteligibilidade de tudo o que "é",[4] como se resume uma palestra de Etienne Gilson sobre a metafísica do Uno abaixo.[34]
A transcendência do Uno
[editar | editar código-fonte]- O Um não é o ser, pela mesma razão que todo ser, sendo uma certa unidade particular, não é o "Um em si".
- Sendo nada (não sendo um ser), o Uno é inexprimível.
- Qualquer pensamento que reivindicasse agarrá-lo imediatamente o tornaria um ser, o Um não pode, portanto, ser pensado. De fato, a realidade mais simples de todas não pode ser pensada em si mesma porque, se pudesse, como conhecedora e conhecida, teria um ser múltiplo.
- No entanto, o Uno é a causa do que pensa e, portanto, a causa do que é.
Ser e pensar são a mesma coisa
[editar | editar código-fonte]O pensamento que circunscreve por definição uma forma inteligível gera um objeto que se pode dizer que é (tem ser) porque é pensável. O "Um" transcende o pensamento como transcende o ser. As coisas que vêm do "Um" são como fragmentos virtuais do primeiro princípio. O ser fixado em formas estáveis constitui o todo dos inteligíveis. Tomados em conjunto, constituem o todo do Ser e, equivalentemente, a Inteligência, primeira hipóstática do sistema de Plotino. Tal noção remete também ao poema de Parmênides de Eleia: "ser e pensar é uma e a mesma coisa".[35] (ver Panpsiquismo).
Judaísmo
[editar | editar código-fonte]A unidade de Deus é uma das coisas mais importantes no judaísmo, declarada em sua profissão de fé Shemá Israel: "O Senhor é Um". Na Cabalá, influenciada pelo neoplatonismo, o conceito de Ein Sof foi identificado com o Um grego por Abraham Cohen de Herrera, por volta de 1630.[36]
O Um entre os místicos cristãos
[editar | editar código-fonte]A teologia mística do Pseudo-Dionísio, o Areopagita (por volta de 490, na Síria) preserva a ideia do Um além da essência, mas a inflexiona no sentido cristão:
Toda afirmação permanece abaixo da Causa única e perfeita de todas as coisas, porque toda negação permanece abaixo da transcendência daquele que é simplesmente despojado de tudo e que está além de tudo. (Teologia Mística, trad. em francês por Maurice de Gandillac, 1943, p. 184)
O pseudo-Dionísio defende a famosa proposição segundo a qual "Todo ser é super-ser em Deus" (em latim, esse omnium est superesse divinitas).[37] Isso pode ser entendido de duas maneiras: no sentido panteísta, onde "Deus é o mesmo que as coisas", ou no sentido católico, defendido por Bernard de Clairvaux, onde "Deus é o ser causal das coisas". Mestre Eckhart também faz vários comentários sobre o Um, citando Boécio e Macróbio, dentre outros, e diz: "o Uno descende totalmente em todas as coisas que estão abaixo dele, que são muitas e que são enumeradas. Nestas coisas individuais, o Uno não está dividido, mas permanecendo o Um incorrupto, flui para todo número e o informa com sua própria unidade.".[38] Giordano Bruno afirma:[39]
"Antes de mais nada, o Um deve existir eternamente; de seu poder deriva tudo o que é ou será sempre. Ele é o Eterno e abraça todos os tempos. Ele conhece profundamente todos os eventos e Ele mesmo é tudo. Ele cria tudo além de qualquer começo de tempo e além de qualquer limite de lugar e espaço. Ele não está sujeito a nenhuma lei numérica ou a qualquer lei de medida ou ordem. Ele mesmo é lei, número, medida, limite sem limite, fim sem fim, ato sem forma."
Islamismo
[editar | editar código-fonte]No Islã, Tahwid é o conceito de unidade divina. Ibn Arabi, um dos mais influentes filósofos sufistas, influenciado pelo platonismo, aborda a inefabilidade do Um, como transcendente e imanente para além de todas as atribuições:
“Se tu insistes somente na transcendência, tu O restringes,
E se insistes na imanência, tu O limitas.
e, nas essências das coisas, limitado e ilimitado, tu O vês."[40]
Se manténs a ambos [os aspectos] estás certo
- Imān e mestre nas ciências espirituais -.
Aquele que afirma os dois aspectos é um politeísta,
enquanto aquele que O isola tenta regulá-Lo.
Se professas a Unidade, fique atento para não compará-lo
e, se professas a Unidade, não O faças transcendente.
Tu não és Ele e tu és Ele
Referências
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- ↑ a b Gilson 1987, p. 43
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