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Baixo cifrado

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Baixo cifrado, baixo figurado ou baixo contínuo é um tipo de notação musical inteira utilizado para indicar os intervalos, os acordes e os enarmônicos em relação a uma nota do baixo. O baixo cifrado está associado de perto com o baixo contínuo, um acompanhamento utilizado em quase todos os gêneros de música do período barroco.

Baixo contínuo

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As partes de baixo contínuo, prática quase universal no barroco (1600-1750) eram, como implica o nome, tocadas continuamente durante a execução da peça, fornecendo a estrutura harmônica da música. A frase freqüentemente é encurtada para contínuo e os instrumentistas que executam a parte do contínuo (se forem mais do que um) são chamados grupo do contínuo.

Frequentemente, a formação do grupo do contínuo é deixada a critério dos executantes e a prática variava bastante no período barroco. Deveria ser incluído, pelo menos um instrumento capaz de tocar acordes, como por exemplo o cravo, o órgão, o alaúde, a tiorba, o violão ou a harpa. Adicionalmente, poderia ser acrescentado qualquer número de instrumentos que tocam no registro do baixo, como, por exemplo, o violoncelo, o contrabaixo, a viola, a viola da gamba ou o fagote. A combinação mais comum, pelo menos nas apresentações modernas, é o cravo e o violoncelo, para as obras instrumentais e vocal, secular, como a ópera e o órgão, para a música sacra.

O intérprete do teclado (ou de qualquer dos demais instrumentos do baixo) resolve a parte do contínuo tocando em adição às notas do baixo indicadas, as notas superiores para completar o acorde quer por determiná-las antecipadamente, quer por improvisar durante a execução. A notação do baixo cifrado descrita a seguir é um guia apenas, mas espera-se que os intérpretes usem de seu critério musical e os demais instrumentos e vozes como guia. As edições modernas das partituras usualmente fornecem a parte do teclado plenamente desenvolvida para o intérprete, eliminando assim a necessidade de improvisação. Com o crescimento das interpretações de época, cresceu também o número de intérpretes que preferem, ao modo do barroco, improvisar suas partes.

O baixo contínuo, embora um elemento estrutural essencial e identificador da música do barroco continuou a ser utilizado em muitas obras, principalmente em obras sacras para coral do classicismo (até cerca de 1800). Exemplos de sua utilização no século XIX são raros mas existem: as missas de Anton Bruckner, Beethoven, and Franz Schubert, por exemplo, têm uma parte de baixo contínuo para ser interpretada por um organista.

Mais informações no verbete: Baixo contínuo.

Notação do baixo cifrado

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Uma notação de baixo cifrado consiste da linha do baixo com notas na pauta musical acrescida de números e acidentes sob a pauta para indicar em que intervalos acima das notas do baixo deve-se tocar e portanto, que inversões, de que acordes, devem ser tocadas. A frase tasto solo indica que apenas a linha do baixo deve ser tocada, sem quaisquer acordes superiores. Usalmente este procedimento dura até que a próxima indicação apareça.

Os compositores foram inconsistentes quanto ao padrão de uso descrito a seguir. Especialmente no século XVII os números foram omitidos sempre que o compositor achava que o acorde era óbvio. Os compositores mais antigos como, por exemplo, Cláudio Monteverdi freqüentemente especificavam a oitava com intervalos compostos tais como 10, 11 e 15.

Os números indicam a quantidade de graus da escala musical acima da linha do baixo que uma nota deve ser tocada. Por exemplo:

Aqui a nota do baixo é um Dó e os números 4 e 6 indicam que a quarta e a sexta nota acima dele, isto é um Fá e um Lá, devem ser tocadas. Em outras palavras, isso significa que deve ser tocada a segunda inversão do acorde de Fá maior.

Nos casos em que os números 3 e 5 deveriam ser normalmente indicados, usualmente, mas não sempre, eles são omitidos devido à frequência com que estes intervalos ocorrem. Por exemplo:

Nesta sequência a primeira nota não tem números a acompanhá-la – tanto o 3 como o 5 foram omitidos. Isto significa que a terceira e a quinta nota acima devem ser tocadas – em outras palavras, um acorde perfeito maior. A próxima nota tem um 6 indicando que deve ser tocada a sexta nota acima; o 3 foi omitido, o que significa que este acorde está na primeira inversão. A terceira nota é acompanhada por apenas um 7; aqui, como no caso da primeira nota o 3 e o 5 foram omitidos . O sete indica que o acorde é um acorde de sétima. A seqüência toda equivale a:

embora caiba ao executante escolher em que oitava deverá tocar as notas e como as trabalhará de alguma maneira, ao invés de simplesmente tocar os acordes, de acordo com o andamento e a textura da música.

Algumas vezes outros números também são omitidos: um 2 sozinho ou um 42 indicam 642, por exemplo.

Algumas vezes, o número no baixo cifrado muda, mas não a nota do baixo. Neste caso, escrevem-se as novas notas no compasso, no lugar em que devem ser tocadas. No exemplo a seguir, pretende-se que a pauta superior seja a melodia e está sendo fornecida simplesmente para indicar o ritmo (não faz parte do próprio baixo cifrado):

Quando a nota do baixo muda, mas as notas do acorde acima dele são mantém, é desenhada uma linha próxima ao número (ou números) para indicar isso:

A linha se estende pelo período que se deseja que o acorde seja mantido.

Quando um acidente é mostrado sózinho, sem estar junto a um número, ele se aplica à terça do acorde, caso contrário se aplica à nota que estiver ao lado dele. Por exemplo, esta notação:

Equivale a esta execução:

Às vezes o acidente é colocado depois do número e não antes.

Alternativamente, uma cruz colocada próximo a um número indica que a altura daquela nota deve ser aumentada de um semitom, de modo que se a nota for um bemol ela deve ser tocada como natural e se for uma nota natural ela se torna uma nota sustenida. Uma maneira diferente de indicar isso é cruzar o número com uma barra. As notações seguintes, por exemplo, indicam a mesma maneira de tocar as respectivas notas cifradas:

Quando os sustenidos ou bem�is s�o usado numa partitura com armadura da clave eles podem ter um significado ligeiramente diferente, especialmente para a m�sica do s�culo XVII. Um sustenido pode ser utilizado para cancelar um bemol da armadura ou vice-versa, em vez de ser usado o s�mbolo de bequadro.

As origens da pr�tica do baixo cont�nuo s�o algo obscuras. Improvisa��es dos acompanhamentos ao �rg�o das obras corais eram comuns por volta do fim do s�culo XVI e partes separadas para o �rg�o, mostrando a penas a linha do baixo datam de, pelo menos, 1587. Em meados do s�culo XVI, alguns compositores italianos de igreja come�aram a escrever pe�as policorais. Essas obras para dois ou mais coros foram criadas para ocasi�es especialmente festivas ou ent�o para tirar vantagem de certas propriedades da arquitetura dos edif�cios nos quais seriam apresentadas. Com oito ou mais partes para serem monitoradas durante uma exibi��o, pe�as no estilo policoral (tamb�m chamadas de cori spezzati, j� que os coros eram estruturados algumas vezes de modo musicalmente independente e �s vezes com partes musicalmente entrela�adas, podendo mesmo, ser colocados em locais fisicamente diferentes) surgiu a necessidade de algum tipo de acompanhamento instrumental.

� importante observar que o conceito de ter dois ou mais corais estruturalmente independentes atuando ao mesmo tempo, quase certamente n�o teria surgido se j� n�o houvesse uma pr�tica de acompanhamento do coral nas igrejas. Registros financeiros e administrativos confirmam a exist�ncia de �rg�os nas igrejas desde o s�culo XV e embora seu uso preciso n�o seja conhecido, parece razo�vel crer que havia alguma intera��o com os cantores. De fato existem muitos relatos pessoais dos s�culos XV e XVI, de servi�os religiosos, que indicam o acompanhamento de �rg�o em alguns trechos da liturgia sugerindo que a pr�tica do canto apenas a cappella, isto�, o canto sem acompanhamento musical (nome que deriva do local de origem dessa modalidade, a Capela Sistina do Vaticano), n�o era muito usual. No in�cio do s�culo XVI parece que o uso do acompanhamento com �rg�o, pelo menos em igrejas pequenas, era comum e os cr�ticos da �poca lamentam o decl�nio da qualidade dos coros das igrejas. Ainda mais impressionante, muitos manuscritos, especialmente os que datam de meados do s�culo em diante, possuem anotados os acompanhamentos pelo �rg�o. Esta �ltima observa��o � que nos leva �s origens do cont�nuo de um modo bastante semelhante chamado basso seguente.

Com maior freq��ncia, os acompanhamentos escritos s�o encontrados nas obras policorais mais antigas (obviamente aquelas compostas antes de surgir o estilo concertato, com suas linhas instrumentais expl�citas) e geralmente consistem numa redu��o completa de uma das partes do coro �quilo que, mais tarde, seria chamado de sistema. Adicionalmente, entretanto, para aquelas partes da m�sica durante as quais determinado coro deveria pausar, se representava esta situa��o por uma linha �nica com a nota mais grave que tenha sido cantada em qualquer momento da m�sica, nota esta que podia estar em qualquer das partes vocais.

Mesmo nos primitivos arranjos vocais dos Gabieli, (Andrea e Giovanni), Monteverdi e outros. A parte mais grave que os int�rpretes modernos na linguagem coloquial se referem como '"cont�nuo" �, de fato, um basso seguente, algo ligeiramente diferente do baixo cont�nuo, pois possuindo partes instrumentais diferentes, a nota mais grave no basso seguente, em dado instante, com bastante freq��ncia � bem mais grave do que qualquer nota que esteja sendo cantada no mesmo instante.

O primeiros exemplo conhecido da publica��o de um basso seguente foi num livro sobre Introitos e Aleluias do veneziano Placido Falconio, datado de 1575.

O que � conhecido como cont�nuo "cifrado", o qual tamb�m possui uma linha do baixo que, por causa de sua natureza estrutural, pode diferir da nota mais grave das partes superiores, foi desenvolvido no quarto de s�culo seguinte. O cr�dito pela primeira publica��o deste tipo de cont�nuo � dado ao compositor Lodovico Viadana, numa cole��o de motetos de 1602 que, de acordo com seu pr�prio relato, foi originalmente escrito em 1594. O cont�nuo do Viadana, entretanto, n�o inclu�a os s�mbolos gr�ficos.

O exemplo conhecido, mais antigo, do uso de sustenidos e bem�is na pauta, � um moteto escrito por Giovanni Crocce, tamb�m datado de 1594.

Os baixos seguente e cifrado foram desenvolvidos conjuntamente na m�sica secular; compositores de madrigais, como Emilio de' Cavalieri e Luzzasco Luzzaschi come�aram a escrever, no final do s�culo XVI obras para serem executadas por um solista com acompanhamento, seguindo uma pr�tica j� estabelecida de interpretar deste modo madrigais com v�rias vozes, e tamb�m em resposta � influ�ncia crescente de certos grupos de admiradores de cantores particularmente populares.

Esta tend�ncia de solo com textura de acompanhamento na m�sica secular, culminou no g�nero de mon�dia da mesma maneira que na m�sica vocal religiosa resultou no concerto sacro para v�rias vozes, inclusive vozes solistas.

O uso de numerais para indicar o acompanhamento come�ou com as antigas �peras compostas por Cavalieri e Giulio Caccini.

Estes novos g�neros foram poss�veis, assim como, provavelmente, tamb�m o foi o policoral, de fato se tornaram poss�veis gra�as � a exist�ncia de uma linha do baixo parcial ou totalmente independente. Por outro lado, a linha do baixo separada, com informa��es gr�ficas acrescentadas para indicar as outras notas do acorde, rapidamente se tornou "funcional" � medida que as sonoridades se transformaram em harmonias, (ver harmonia e tonalidade) e a m�sica passou a ser considerada em termos de uma melodia apoiada por progress�es de acordes, em vez de um entrela�amento de linhas musicais igualmente importantes, como acontece na polifonia. O baixo cifrado, portanto, foi um recurso para o desenvolvimento do barroco, por extens�o, do classicismo e, ainda por extensão, da maioria dos estilos subsequentes.

Muitos compositores e teóricos dos séculos XVI e XVII escreveram manuais instruindo como utilizar o baixo cifrado, incluindo entre eles: Gregor Aichinger, Georg Philipp Telemann, C.P.E. Bach e Michael Praetorius.

Usos contemporâneos

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O baixo cifrado, algumas vezes é usado pelos músicos clássicos como um modo de abreviado de indicar os acordes, embora não seja usado nas composições modernas.

Um tipo de baixo cifrado é usado na notação musical para o acordeão; outra forma simplificada é usada na notação para violão (ver verbete Cifra (música))

Atualmente, o uso mais comum do baixo cifrado é para indicar uma inversão, escrito freqüentemente sem a pauta, com a letra do nome da nota seguida do símbolo, por exemplo, a nota do baixo Dó com o baixo cifrado 64 seria escrito: . Os símbolos também podem ser analisados com algarismos romanos para analisar a harmonia funcional um uso que foi chamado de cifra romana" (ver en:chord symbol, em inglês).

Ligações externas

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