Saltar para o conteúdo

Plano Schlieffen

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
O marechal Alfred von Schlieffen.

O Plano Schlieffen foi o plano militar aplicado pelo exército alemão no início da Primeira Guerra Mundial, em 1914. Inicialmente concebido por Alfred von Schlieffen, chefe do Estado-Maior alemão entre 1892 e 1906, foi posto em prática, com alterações introduzidas pelo seu sucessor, Helmuth von Moltke. O plano previa resolver uma questão que preocupava os alemães em caso de conflito: uma guerra em duas frentes, ou seja, uma guerra contra a França e, muito provavelmente, contra o Reino Unido, na frente ocidental e, simultaneamente, uma guerra contra a Rússia, na frente oriental. O plano falhou no seu principal objectivo que era obter uma vitória rápida e decisiva a ocidente para, em seguida, transferir for�as para oriente e ali obter outra vit�ria decisiva.

A guerra em duas frentes

[editar | editar c�digo-fonte]
O problema da guerra em duas frentes a partir de 1871 colocava-se � Alemanha que se preparou militarmente para um confronto simult�neo com a Fran�a e a R�ssia. No tempo de Bismarck (1871-1890), esse confronto foi evitado pelo sistema de alian�as criado pelo chanceler alem�o.

� �til recordar a quest�o que levou ao desencadear da Guerra Franco-Prussiana (1870-1871). O trono espanhol era ocupado pelos Bourbons mas uma revolta provocou o ex�lio de Isabel II de Espanha. Os revoltosos procuraram um novo soberano fora da fam�lia dos Bourbons. Foi feito o convite a um pr�ncipe da fam�lia Hohenzollern. Trocar um soberano da Casa dos Bourbons, tradicionais aliados dos Franceses, por um soberano da fam�lia real da Pr�ssia era n�o s� uma humilha��o para Fran�a como colocava esta pot�ncia em perigo de enfrentar uma guerra em duas frentes: nos Piren�us e na fronteira com a Confedera��o da Alemanha do Norte.[1]

O problema da guerra em duas frentes em 1870: a Fran�a entre a Espanha e a Confedera��o da Alemanha do Norte, ambas dominadas pela Casa de Hohenzollern.

A Guerra Franco-Prussiana teve como desfecho a derrota da Fran�a, a unifica��o da Alemanha num imp�rio em que a Pr�ssia mantinha a hegemonia e a transfer�ncia dos territ�rios da Als�cia-Lorena para o dom�nio alem�o. A ordem europeia da� resultante durou at� � Primeira Guerra Mundial. Durante a Guerra Franco-Prussiana, os governantes das principais pot�ncias da �poca conclu�ram que a forma de fazer a guerra dos Alem�es era a mais eficaz e, em consequ�ncia disso, os procedimentos alem�es come�aram a ser adoptados, com mais ou menos sucesso, nos seus ex�rcitos. O objectivo era, � semelhan�a dos Alem�es, obterem vit�rias r�pidas e decisivas. Ora, na Guerra Franco-Prussiana, a vit�ria alem� foi r�pida mas n�o decisiva. A Terceira Rep�blica Francesa, que ent�o se formou, continuou a luta e s� aceitou a derrota porque receou mais a Comuna de Paris que o ex�rcito alem�o que cercava capital francesa.[2]

Depois de 1871, a guerra em duas frentes deixou de ser uma preocupa��o francesa. Na Espanha, Amadeu I, da Casa de Sab�ia, sucedeu a Isabel II que ficou exilada em Paris at� � sua morte em 1904. A quest�o da guerra em duas frentes colocava-se agora � Alemanha: uma guerra simult�nea contra a Fran�a, a ocidente, e contra a R�ssia, a oriente. Se n�o existiam quest�es entre a Alemanha e a R�ssia que levassem a antever uma guerra entre estas duas pot�ncias, j� o mesmo n�o se podia dizer da Fran�a, para quem a perda da Als�cia e parte da Lorena tinha consequ�ncias de car�cter militar e econ�mico. Esta possibilidade foi evitada pelo chanceler alem�o Otto von Bismarck que usou �toda a sua inesgot�vel energia na defesa do status quo favor�vel ao seu pa�s.� [3]

Os atores no palco alem�o

[editar | editar c�digo-fonte]

�A queda de Bismarck em 1890 permite a divis�o em duas partes da hist�ria do imp�rio alem�o.�[4] Desde a forma��o do imp�rio e at� 9 de Mar�o de 1888, foi imperador Guilherme I da Alemanha. A 9 de Mar�o, subiu ao trono Frederico III da Alemanha que morreu pouco tempo depois, a 15 de Junho de 1888. Sucedendo-lhe o seu filho, Guilherme II da Alemanha, que foi imperador at� 1918.

Otto von Bismarck em 1873.

Otto von Bismarck foi chanceler do Imp�rio Alem�o desde 1871 a 1890. Neste ano, ap�s diverg�ncias profundas com Guilherme II, que n�o entendia a pol�tica do seu chanceler tanto interna como externa, Bismarck foi for�ado a demitir-se.[5] Sucedeu-lhe Leo von Caprivi que manteve o mandato at� Outubro de 1894. Caprivi foi substitu�do por Chlodwig Karl Victor zu Hohenlohe-Schillingsf�rst e este, por sua vez, foi substitu�do em Outubro de 1900 por Bernhard von B�low. Finalmente, a 7 de Julho de 1909, o cargo de chanceler foi ocupado por Theobald von Bethmann-Hollweg que se manteve quase at� ao final da guerra (at� 1917). Nenhum destes sucessores de Bismarck, conseguiu prosseguir a obra do chanceler de ferro. �Apenas B�low tem alguma envergadura, mas n�o a autoridade necess�ria para exercer um poder que Bismarck criou � sua medida.�[6]

Durante a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871), era (desde 1857) Chefe do Estado-Maior General da Pr�ssia o general Helmuth von Moltke (Moltke, o velho) que se manteve nessas fun��es at� 1888. Nesse ano foi substitu�do por Alfred von Waldersee que se manteve no cargo at� 1891. Neste ano, Alfred von Schlieffen assumiu aquelas fun��es e manteve-as at� Janeiro de 1906, quando foi substitu�do por Helmuth Johannes Ludwig von Moltke (Moltke, o jovem), sobrinho de Moltke, o velho. Moltke manteve-se em fun��es at� ao final de 1914.[nota 1]

A �poca de Bismarck

[editar | editar c�digo-fonte]

No fim da Guerra Franco-Prussiana, proclamado o Imp�rio Alem�o e anexadas as regi�es da Als�cia e da Lorena, Bismarck entendeu que o mais importante a partir da� era manter o status quo territorial que era favor�vel � Alemanha. No entanto, Bismarck pensava que a Fran�a, se tivesse uma oportunidade favor�vel, n�o deixaria de tentar reaver a Als�cia e a Lorena. Assim, o objectivo da diplomacia de Bismarck era isolar a Fran�a ou, no m�nimo, n�o permitir que se criassem as condi��es para a desforra da guerra de 1870-1871. Para j�, a Fran�a tinha de pagar a indemniza��o que lhe foi imposta pelo Tratado de Frankfurt, o que conseguiu com seis meses de antecipa��o (Outubro de 1873). Este pagamento determinou a partida das for�as alem�s de ocupa��o. Estas tropas eram a causa de constantes atritos. Durante o per�odo que permaneceram em Fran�a, desde o final da guerra, surgiram v�rios incidentes. A sua partida, ap�s o pagamento da d�vida, aliviou a tens�o nas rela��es entre a Fran�a e a Alemanha.[7]

Helmuth von Moltke, Chefe do Estado-Maior General alem�o no tempo de Bismarck.

No entanto, a desconfian�a persistia. Bismarck tomou uma s�rie de iniciativas diplom�ticas para isolar a Fran�a e manter um relacionamento favor�vel com a R�ssia. Em 1873 foram assinadas as conven��es que deram origem � Liga dos Tr�s Imperadores (Alemanha, �ustria e R�ssia) que garantia o isolamento diplom�tico da Fran�a. Uma crise franco-alem� em 1875 veio mostrar que aquele isolamento n�o era completo pois a Fran�a obteve garantias de apoio diplom�tico do Reino Unido e a R�ssia fez saber que n�o concordava com nenhuma interven��o militar (preventiva) por parte da Alemanha. A crise balc�nica de 1875-1878 foi mais grave pois a �ustria-Hungria chegou a preparar a mobiliza��o contra a R�ssia. Se a R�ssia se desligasse dos compromissos com a Alemanha e a �ustria-Hungria poderia eventualmente aliar-se � Fran�a. Essa era a situa��o que Bismarck tinha de evitar. A 7 de Outubro de 1879 assinou um tratado de alian�a com a �ustria-Hungria e, mais tarde, sob a amea�a de deixar o seu aliado isolado, conseguiu reconstruir a Liga dos Tr�s Imperadores (18 de Junho de 1881). Nesse ano, a It�lia iniciou a aproxima��o � Alemanha e � �ustria-Hungria e, no ano seguinte, foi assinado o tratado que criou a Tr�plice Alian�a (1882). Em 1887, esta alian�a foi renovada mas n�o a Liga dos Tr�s Imperadores porque o czar Alexandre III considerou que a �ustria-Hungria estava a estender demasiado a sua influ�ncia nos Balc�s. Bismarck conseguiu, no entanto, assinar um tratado secreto (devido �s cl�usulas referentes aos estreitos do B�sforo e de Dardanelos) com a R�ssia: o Tratado de Resseguro (18 de junho de 1887). Com este tratado mantinha a Fran�a isolada, ou seja, sem apoios que lhe permitissem atacar a Alemanha.[8]

Durante a maior parte destes anos em que Bismarck foi chanceler do Imp�rio Alem�o, foi chefe do Estado-Maior General o arquitecto da vit�ria alem� em 1871, Helmuth von Moltke. Apesar de Bismarck ter constru�do um sistema de alian�as que pareciam garantir o equil�brio necess�rio para evitar a guerra, n�o foi descurada a perspectiva militar. Para o caso de ser necess�rio enfrentar uma guerra em duas frentes, Moltke tinha previsto dividir o ex�rcito alem�o em duas partes semelhantes e cada uma delas assumia uma postura defensiva a ocidente (contra a Fran�a) e a oriente (contra a R�ssia). Atendendo a que o objectivo da Fran�a seria o de recuperar os territ�rios da Als�cia-Lorena, era de admitir que aquela pot�ncia tomaria a iniciativa do ataque. Moltke pretendia derrotar os Franceses fazendo fracassar o seu ataque e obrigando-os depois a aceitar um compromisso de paz. Para a frente oriental, a estrat�gia era id�ntica: derrotar o ataque russo e, em seguida, empurrar as for�as inimigas para uma dist�ncia que permitisse assegurar a seguran�a da fronteira alem� para ent�o propor um compromisso de paz. A for�a que primeiro conseguisse uma vit�ria seguida do respectivo acordo poderia libertar tropas para a outra frente. A estrat�gia de Moltke, tal como a diplomacia de Bismarck, visava atingir uma situa��o de compromisso pol�tico, um compromisso favor�vel a uma Alemanha vitoriosa, mas n�o a uma vit�ria total.[9]

A �poca p�s-Bismarck

[editar | editar c�digo-fonte]

Moltke abandonou o cargo de Chefe de Estado-Maior General em 1888 e foi sucedido pelo general Waldersee que seguiu a mesma linha de planeamento do seu antecessor.[10] Em 1891, o cargo foi ocupado por Alfred von Schlieffen. Guilherme II tinha subido ao trono em 1888. Bismarck fora substitu�do por Caprivi em 1890. Os sucessores de Bismarck, e tamb�m o imperador, n�o aceitaram o sistema formado por duas alian�as que se sobrepunham, a Tr�plice Alian�a e o Tratado de Resseguro. Al�m disso, a Alemanha, com uma economia em desenvolvimento e carente de mercados, lan�ou-se em iniciativas coloniais e mar�timas, isto �, iniciou a Weltpolitik (pol�tica mundial). Por seu lado, Schlieffen s� aceitava uma vit�ria total, ou seja, a rendi��o incondicional do inimigo. Assim, foi afastada a possibilidade de, ap�s a vit�ria inicial, enveredar por compromissos diplom�ticos.[11][12]

Guilherme II da Alemanha em 1908. O �ltimo imperador do Segundo Imp�rio Alem�o (Deutsches Kaiserreich) foi seduzido pelas ideias nacionalistas e militaristas.

Estas altera��es na pol�tica externa da Alemanha tiveram consequ�ncias graves. Tendo caducado o Tratado de Resseguro, a R�ssia aproximou-se da Fran�a e as duas pot�ncias assinaram um acordo em 1891 e uma conven��o militar a 18 de Agosto de 1892. Esta conven��o s� foi ratificada passados dezoito meses (27 de Dezembro de 1893 pela R�ssia e 4 de Janeiro de 1894 pela Fran�a) mas estava criada a situa��o que Bismarck tinha conseguido evitar: uma alian�a militar entre a Fran�a e a R�ssia, ou seja, a possibilidade de um ataque simult�neo a ocidente e a oriente.[13] Por outro lado, a partir de 1896, a It�lia iniciou dilig�ncias no sentido de se aproximar da Fran�a e, ap�s a resolu��o de alguns diferendos de ordem colonial e econ�mica, as duas pot�ncias assinaram um acordo secreto, a 28 de Junho de 1902, segundo o qual a It�lia se manteria neutral em caso de um conflito entre a Fran�a e a Alemanha. A It�lia, no entanto, n�o abandonou a Tr�plice Alian�a (1882). Mas, para al�m destas mudan�as no plano europeu, registam-se tamb�m mudan�as importantes no plano mundial.[14]

At� 1907, o choque entre as principais pot�ncias europeias (Reino Unido, Fran�a, R�ssia e Alemanha) fez-se sentir de forma mais intensa em �frica e no Oriente M�dio. Os problemas resultantes da decad�ncia do Imp�rio Otomano n�o conduziram ao envolvimento das pot�ncias europeias como j� tinha sucedido noutras �pocas. Existia uma rivalidade franco-inglesa que se prendia com o Sud�o Anglo-Eg�pcio e que terminou com uma derrota diplom�tica da Fran�a mas tamb�m existia uma rivalidade anglo-alem�, econ�mica e naval, que desencadeou no Reino Unido uma reac��o desfavor�vel � Alemanha e um movimento de aproxima��o � Fran�a. Finalmente, as crises de Marrocos (Primeira Crise de Marrocos e Crise de Agadir) acabaram por isolar a Alemanha que tinha tentado uma aproxima��o ao Reino Unido.[15] Foram precisamente estas rivalidades coloniais que levaram o Reino Unido a quebrar a sua atitude isolacionista e a aproximar-se da Fran�a e da R�ssia. Desta forma, foi criada a Entente Cordiale em 1904 e uma conven��o anglo-russa em 1907. Este conjunto de acordos, juntamente com a Alian�a Franco-Russa, constitui os elementos da Tr�plice Entente, blocos antag�nico da Tr�plice Alian�a.[16]

A constru��o do Plano Schlieffen

[editar | editar c�digo-fonte]

O tempo de Schlieffen

[editar | editar c�digo-fonte]

Perante a possibilidade cada vez mais real de a Alemanha travar uma guerra em duas frentes, a ocidente contra a Fran�a e a oriente contra a R�ssia, Schlieffen pensou numa estrat�gia que permitisse obter uma vit�ria r�pida e decisiva numa das frentes por forma a libertar o m�ximo de for�as para serem empenhadas na outra frente e, desta forma, obter uma vit�ria decisiva contra ambos os oponentes.[11]

A quest�o �, quais tratados foram feitos ap�s todos esses rumores, s�o fatos, que sem d�vidas devem ser questionados.

A quest�o a resolver era saber qual a frente onde iria ser obtida em primeiro lugar a vit�ria decisiva. Schlieffen entendeu que a Alemanha deveria empenhar o m�ximo das suas for�as contra o advers�rio mais forte, a Fran�a. A R�ssia n�o se mostrava t�o perigosa porque a grande extens�o do seu territ�rio implicaria, por um lado, uma mobiliza��o mais demorada das suas for�as e, por outro lado, permitiria aos seus ex�rcitos manobrar da forma que lhe fosse mais conveniente at� reunirem as suas reservas de efectivos antes de chegarem a uma batalha decisiva. N�o seria poss�vel, portanto, obter a oriente uma vit�ria r�pida. A ocidente, o potencial de guerra franc�s seria mobilizado mais rapidamente. Uma vit�ria r�pida sobre os Franceses reduzi-los-ia a uma situa��o de impot�ncia muito duradoura pois n�o teriam efectivos de reserva que possibilitassem a cria��o de novos ex�rcitos. Al�m disso, o desenvolvimento industrial da Alemanha obrigava a n�o correr o risco de perder, mesmo que temporariamente, as zonas industriais da Ren�nia, do norte da Lorena e do Sarre. A primeira vit�ria teria de ser obtida contra a Fran�a.[17]

A situa��o mais perigosa resultaria de os Franceses e os Russos lan�arem uma ofensiva simult�nea. Desta forma, os Alem�es estariam em n�tida inferioridade num�rica em ambas as frentes e dificilmente poderiam obter uma vit�ria decisiva numa delas. N�o podiam, neste caso, tirar partido da sua excelente rede ferrovi�ria para transportarem rapidamente tropas de uma frente para a outra e concentr�-las contra um dos oponentes.[18]

Enquanto desempenhou as fun��es de Chefe do Estado-Maior General, Alfred von Schlieffen desenhou uma s�rie de planos que tinham sempre como cen�rio uma guerra em duas frentes. N�o se conhecem todos os pormenores desses planos. Sabemos que eles eram revistos anualmente durante o inverno e tornavam-se efectivos entre o dia 1 de Abril ap�s a revis�o e 31 de Mar�o do ano seguinte. Esta pr�tica foi seguida at� ao in�cio da guerra, em 1914. Cada plano era designado pelos anos em que vigorava. A 1 de Abril de 1904, por exemplo, entrou em vigor o plano designado Aufmarsch 1904/1905 que vigorou at� 31 de Mar�o de 1905. O plano anterior (no caso do exemplo apontado, o Aufmarsch 1903/1904) era destru�do assim como a maior parte dos documentos que serviram de base para a sua elabora��o. Assim, no in�cio da guerra foi aplicado o Aufmarsch 1914/1915 que � normalmente conhecido como Plano Schlieffen.[19]

Antes de serem aprovados, os sucessivos planos criados por Schlieffen foram testados em jogos de guerra e exerc�cios de estado-maior. N�o era poss�vel, com for�as t�o numerosas como as que ent�o formavam os ex�rcitos, testar ou treinar os planos em exerc�cios de campo com a generalidade das tropas pois os custos seriam enormes.[20] A utiliza��o deste tipo de procedimentos era a pr�tica desde o in�cio do s�culo XIX com a inven��o do Kriegsspiel, um jogo de guerra inventado na Pr�ssia e adoptado no Estado-Maior prussiano pelo general Karl von Muffling. Os jogos de guerra sofreram v�rias evolu��es e tornaram-se cada vez mais utilizados para testar os planos e treinar os estados-maiores.[21]

Nos seus �ltimos jogos de guerra, Schlieffen testou conceitos diferentes do que conhecemos como Plano Schlieffen. O cen�rio criado foi o de uma ofensiva simult�nea da Fran�a e da R�ssia e, a esta situa��o, Schlieffen respondeu com uma defensiva estrat�gica em ambas as frentes e utilizou (no exerc�cio) as suas linhas ferrovi�rias para concentrar rapidamente for�as suficientes contra os dois ex�rcitos russos invasores e obter uma vit�ria completa na frente oriental. Simultaneamente, conduziu uma defesa activa a ocidente e utilizou novamente a sua rede ferrovi�ria para obter superioridade local contra os Franceses que tinham invadido a Als�cia e a Lorena, atacar os seus flancos e derrota-los. Este cen�rio, como o de outros jogos de guerra, n�o condizem com o conceito que foi aplicado em 1914 no chamado Plano Schlieffen.[22]

Em 1899/1900, Schlieffen utilizou dois planos. O Aufmarsch I previa um forte ataque contra a Fran�a enquanto algumas unidades militares eram deixadas a oriente para defenderem a Pr�ssia Oriental de um ataque russo. O Aufmarsch II previa a situa��o inversa, isto �, uma forte concentra��o de for�as contra a R�ssia o que implicava uma postura defensiva perante a Fran�a. Em 1900/1901 e 1901/1902, os planos de Schlieffen previam uma maior concentra��o de for�as a oriente mas, em 1902/1903 voltou a concentrar a maior parte das for�as a ocidente. Ao longo dos anos em que ocupou o cargo, planeou de acordo com as v�rias modalidades poss�veis mas, no entanto, foi a modalidade da vitória contra a França para posteriormente atacar a Rússia que prevaleceu. A Guerra Russo-Japonesa de 1904-1905 enfraqueceu as forças russas e esse facto teve influência na direção em que foi tomado o planeamento. O Aufmarsch I 1904/1905 não previa operações militares a leste e o Aufmarch II desse ano previa uma maior concentração de forças contra a França. Estas alterações mostram como o planeamento militar foi sendo adaptado à conjuntura internacional.[23]

O problema da Bélgica

[editar | editar código-fonte]

Em 1904, foram organizados dois exercícios de estado-maior (Generalstabsreisen) que tinham como cenário a frente ocidental. Nestes exercícios, as forças alemãs estavam posicionadas mais para norte do que estava previsto nos planos de concentração em vigor e em anos anteriores. No final do exercício foi feita uma crítica com a finalidade de se corrigirem os erros cometidos na execução mas também para aprender e desenvolver a doutrina aplicada. Na crítica aos exercícios, «Schlieffen afirmou que a possibilidade de um ataque alemão através da Bélgica não era segredo: todos na Europa (e até na América) previam essa operação alemã.»[24]

Um ataque através da Bélgica permitiria ao exército alemão contornar as sólidas fortificações que os Franceses dispunham na fronteira com a Alemanha. No entanto, esta opção levantava a questão de violar a neutralidade belga. A Bélgica tinha adquirido a sua independência com a Revolução Belga de 1830-31. O rei, Alberto I (desde 1909), em tempo de guerra, assumia pessoalmente o comando do Exército Belga. A Bélgica ocupava o único espaço aberto e vasto entre a França e a Alemanha. A sua neutralidade era garantida pelas principais potências europeias (Reino Unido, França, Áustria, Rússia e Prússia) nos tratados de Londres de 1831 e de 1839.[25] Aos Alemães colocavam-se duas questões: iriam os Belgas colaborar com os Alemães? Se a Bélgica se opusesse à passagem das tropas alemãs, iria o Reino Unido intervir em apoio dos Belgas e dos Franceses? A Bélgica não autorizou a passagem das tropas alemãs e «um mínimo conhecimento da História teria revelado que a Grã-Bretanha iria certamente para a guerra se a Bélgica fosse invadida – facto em que o Kaiser e o Estado-Maior General se eludiram completamente.»[11]

O tempo de Moltke

[editar | editar código-fonte]

Em 1906, Schlieffen aposentou-se e foi substituído por Helmuth Johannes Ludwig von Moltke (Moltke, o Novo). Neste ano entrou em vigor o Aufmarsch I 1906/1907 que foi concebido ainda no tempo de Schlieffen. Existe uma grande controvérsia sob qual era verdadeiramente o plano de Schlieffen. Muitos documentos só foram colocados à disposição dos historiadores, pelo Bundesarchiv-Militärarchiv, o arquivo militar alemão em Freiburg, a partir de 2004.[19][nota 2] Sabemos por esses documentos que o plano de 1906/1907, no que respeita à frente ocidental, retoma no essencial o plano de 1905/1906 e considera que o exército russo estava longe de recuperar da derrota sofrida frente ao Japão. Assim, a maior parte das forças alemãs foram concentradas na frente ocidental.[26]

Helmuth von Moltke (Moltke, o novo), introduziu alterações no plano concebido por Schlieffen alterando o balanceamento das forças entre as duas alas do dispositivo alemão mas manteve o mesmo conceito base.

De acordo com o Aufmarsch 1906/1907, o último plano a ser preparado por Schlieffen e o primeiro sob a responsabilidade de Moltke, o dispositivo alemão previa uma ala esquerda, formada por nove divisões, a sul de Metz, e uma ala direita com uma força de 63 divisões, concentrada entre Metz e a fronteira holandesa. A ala direita, à medida que avançasse, iria rebatendo para sul. Desta forma, já nem se colocava a possibilidade de não atravessar a Bélgica.[27]

É durante o mandato de Moltke que os estados-maiores da França e da Rússia começaram a reunir-se a fim de planearem uma ofensiva conjunta. A assinatura da Entente Cordiale também teve como consequência a colaboração dos estados-maiores francês e britânico. Por outro lado, as crises de Marrocos deixaram a Alemanha ainda mais isolada. Foi ainda em 1911 que o tenente-coronel francês Louis Loizeau de Grandmaison «apresentou pela primeira vez … as ideias mestras da doutrina da ofensiva a todo o custo (ofensive à outrance)». Grandmaison afirmou nas suas conclusões que era necessário preparar o exército, exaustivamente, para adoptar uma postura ofensiva.[28] As suas ideias não foram desprezadas, nem pelos Franceses, nem pelos Alemães. «Moltke, atento à renovação doutrinária do exército francês, admitiu como mais provável, e não se enganou, que os franceses desencadeassem uma ofensiva enérgica para reconquistar as províncias perdidas em 1870 e convenceu-se que essa ofensiva, a não encontrar uma resistência séria, com efectivos adequados, poria em perigo a manobra alemã, ameaçando a sua retaguarda antes que o movimento através da Bélgica ameaçasse seriamente a retaguarda francesa.»[29]

Os planos em 1914

[editar | editar código-fonte]

Os Alemães elaboraram os seus planos tendo em conta a situação política e militar que então se vivia na Europa. Os seus principais oponentes, como não podia deixar de ser, também tinham criado os seus próprios planos. Quando uma das partes elaborava um plano tinha sempre em consideração o que pensava serem as intenções (traduzidas em planos) dos seus oponentes.

O plano francês

[editar | editar código-fonte]

Em 1914 os Franceses tinham em vigor o chamado Plano XVII. Em 1911, o general Victor-Constant Michel, vice-presidente do Conselho Superior de Guerra desde Janeiro desse ano, alertou o ministro da guerra para a necessidade de actualizar o plano de operações previsto para a eventualidade de uma guerra com a França. Estava em vigor o Plano XVI, elaborado em 1908 e que partia do princípio que os alemães respeitariam a neutralidade da Bélgica. Embora tivesse sido alterado em 1909, mantinham-se as deficiências que levaram o general Michel a propor uma alteração profunda. O dispositivo de concentração das forças proposto pelo general Michel previa um conjunto de forças destinadas a operar na Bélgica, outro conjunto destinado a operar defensiva ou ofensivamente na fronteira com a Alemanha e uma reserva na região de Paris. A sua proposta previa também alterações importantes no sistema de mobilização a fim de garantir os efectivos necessários e também alterações na organização das unidades. O Conselho Superior de Guerra não aprovou parte das suas medidas e o general Michel, que pelo cargo que ocupava era o comandante em chefe das forças francesas em caso de guerra, demitiu-se.[30]

O Plano XVII em vigor desde 14 de Abril de 1914 e aplicado em Agosto desse ano.

O general Joseph Joffre substituiu o general Michel. Joffre "herdou" o plano aprovado em 1909, que previa uma atitude inicial de expectativa defensiva, incidindo na quase totalidade sobre a fronteira franco-alemã. Em Setembro de 1911 foram feitas alterações ao plano por forma a aproximar o dispositivo da fronteira e a estendê-lo para norte. Em Abril de 1913 foram introduzidas mais alterações no mesmo sentido. Depois disto, Joffre decidiu elaborar um novo plano. Era convicção geral que a guerra que se avizinhava seria rápida e ambas as partes procurariam obter uma vitória decisiva na primeira batalha. Assim, Joffre decidiu «que tomaria a iniciativa das operações, levando para a batalha, em 1ª linha, todas as suas forças, isto é, dispondo-as por forma a que todas elas pudessem intervir no primeiro confronto. … Analisando as condições em que podia desenvolver esta acção ofensiva imediata que considerava necessária e indispensável, Joffre chegou a uma conclusão idêntica à de Schlieffen: só atravessando a Bélgica se podia obter um resultado rápido e decisivo.» Isto devia-se aos obstáculos naturais, fortificações e outras barreiras.[31]

«Ele concluiu que convinha entrar logo na Bélgica e não esperar que os Alemães lá entrassem primeiro, pois era claro que o fariam.» No entanto, Raymond Poincaré, o primeiro ministro francês, que era também ministro dos negócios estrangeiros, não concordou. O seu principal argumento era que a violação da neutralidade da Bélgica poderia levar o Reino Unido a negar apoio à França.[32] Para Joffre, a questão que então se colocava era: não podendo passar pela Bélgica, ou renunciava à ofensiva ou lançava o ataque francês em terreno desfavorável e guarnecido de fortificações. No entanto, Joffre decidiu-se pela ofensiva. Foi feita uma directiva geral para a concentração e foram feitas diretivas particulares para cada um dos exércitos. Este conjunto de diretivas ficou conhecido como Plano XVII mas Joffre afirmou que não fora criado nenhum plano de operações firme e definitivo e que as diretivas visavam montar um dispositivo flexível que permitisse atuar da melhor forma face à situação concreta que viesse a verificar-se. Escreveu nas suas Mémoires:«Decidi, portanto, reservar para os primeiros dias do conflito a decisão da manobra a fazer.» O que é certo é que, nos documentos do Plano XVII encontramos: «a intenção do comandante em chefe é lançar-se, com todas as forças reunidas, ao ataque dos exércitos alemães.»[33]

Assim, o dispositivo inicial das forças francesas de infantaria (cinco exércitos e dois grupos de divisões da reserva) estendia-se entre Belfort (a sul) e Mezieres (a norte) com os grupos de divisões da reserva à retaguarda dos extremos. O 4º Exército mantinha-se inicialmente em St. Menehould para avançar para a primeira linha, entre o 4ª e o 5ª Exércitos, assim que houvesse notícias da entrada das forças alemãs no Luxemburgo. Foi com este dispositivo, do lado francês, que se iniciaram as hostilidades entre a França e a Alemanha.[34]

O plano russo

[editar | editar código-fonte]

Desde 1894, qundo foi assinada a aliança franco-russa, os dois estados-maiores reuniram-se frequentemente. Em 1910, ficou estabelecido que, em caso de guerra com a Alemanha, a França lançaria imediatamente uma ofensiva contra aquele país e a Rússia deveria fazer o mesmo entre os 15º e 30º dias de mobilização. Esta dupla ofensiva foi coordenada em detalhe a partir de 1911. Nessa data, os Russos comprometeram-se a lançar a ofensiva no 16º dia da mobilização e, à semalhança dos Franceses, iriam substituir o seu plano para uma guerra contra a Alemanha, que assentava numa defensiva, por um novo plano, o Plano 19, que previa uma ofensiva simultânea contra a Alemanha e a Áustria-Hungria. Os Russos alteraram o plano que tinham em vigor, o Plano 18, e nunca chegaram a implementar o Plano 19. No entanto, o Plano 18 tinha sofrido tantas alterações que se aproximava muito do que seria o Plano 19. Da forma como se encontrava quando foi aplicado, ficou conhecido como Plano 18 modificado. De acordo com este plano, dois exércitos iriam ser empenhados contra a Alemanha e quatro contra a Áustria-Hungria. O ataque à Alemanha seria efetuado no 15º dia de mobilização com o 1º Exército, a partir da Lituânia, e o 2º Exército, a partir de noroeste de Varsóvia.[35]

O plano britânico

[editar | editar código-fonte]

A História mostra que o Reino Unido não seguia a política de se envolver numa guerra europeia. Os Britânicos tinham criado um vasto império e tudo faziam para manter um status quo que lhes era muito favorável. A extensão do império obrigava-os a conduzir a sua política externa numa base global. É nesta ordem de ideias que foi estabelecida uma aliança com o Japão em 1902. Na defesa dos seus interesses imperiais o Reino Unido entrou em rota de colisão com a França e a Rússia mas esta fase foi ultrapassada com os acordos de 1904 e 1907. Para além da questão suscitada pela expansão naval da Alemanha, a Inglaterra não tinha qualquer contencioso com este país ou com os seus aliados, a Itália e a Áustria-Hungria. À semelhança das outras grandes potências europeias, o Reino Unido tinha assumido o compromisso, por tratado, de defender a neutralidade da Bélgica.[36]

Tendo em atenção a dispersão das forças do Reino Unido num império tão vasto, a dimensão da sua armada e os interesses que pretendia defender, era natural que desenvolvesse os seus planos essencialmente na área naval. Assim, uma intervenção no continente seria sempre feita com forças pouco numerosas. Os estados-maiores da França e do Reino Unido trabalhavam juntos desde que se estabelecera a Entente Cordiale e uma força expedicionária britânica podia atingir, de acordo com o planeamento feito, seis divisões de infantaria (na realidade foram quatro) e uma de cavalaria, ao todo cerca de 100 000 homens.[37] Foi em 1908 que Richard Haldane, Secretário de Estado da Guerra, criou um núcleo permanente de forças vocacionado para uma intervenção no continente europeu e desde 1910 que o major-general Henry Wilson, Chefe da Divisão de Operações do Estado-Maior do Exército Britânico, preparava a marcha do Corpo Expedicionário Britânico (BEF – British Expedicionary Force) para França. O plano então elaborado ficou conhecido como “Plano W” em homenagem ao Major-general Wilson.[38][39]

O plano austríaco

[editar | editar código-fonte]

A Áustria-Hungria previa um confronto com a Sérvia, que desejava limitado àquela área geográfica, mas com a possibilidade de intervenção da Rússia. Neste sentido, foram criados dois planos: o Plano B, que seria aplicado na guerra nos Balcãs, prevendo três dos seus seis exércitos empenhados na fronteira com a Rússia para prevenir um ataque vindo daquela potência; o Plano R, previa um volume maior de tropas (quatro exércitos) na fronteira com a Rússia e assumia que a Alemanha entraria na guerra.[40]

O “Plano Schlieffen”

[editar | editar código-fonte]
O Plano Schlieffen em 1905 previa uma ala direita com grande superioridade de forças relativamente ao dispositivo da frente ocidental.
O Plano Schlieffen em 1914 tinha sido alterado relativamente ao de 1905. A ala direita ficou enfraquecida.

O Aufmarsch 1914/1915, que conhecemos como Plano Schlieffen, previa uma situação em que a Alemanha teria de enfrentar, a ocidente, as forças belgas (no caso de a Bélgica não autorizar a travessia do seu território, o que aconteceu), as forças francesas e, muito provavelmente, as forças britânicas; a oriente, as forças russas. Dos aliados da Alemanha, a Itália oferecia muitas dúvidas sobre o seu apoio e a Áustria-Hungria estaria empenhada contra a Sérvia e a Rússia. Moltke esperava o ataque principal francês na fronteira franco-alemã e, sendo assim, receava que os efetivos alemães planeados para aquela região não fossem suficientes para conter a ofensiva francesa. Se tal sucedesse ficaria em risco toda a manobra alemã. Por esta razão, Moltke introduziu alterações nos sucessivos planos, de tal forma que, em 1914, a ala norte do exército alemão, que se concentrava frente à Bélgica, era em 1906 formada pelos 1º, 2º, 3º e 4º Exércitos (39 divisões de infantaria e 7 de cavalaria) passou a ser formada apenas pelos 1º, 2º e 3º Exércitos (32 divisões de infantaria e 5 de cavalaria). O 4º Exército passou a concentrar na fronteira com o Luxemburgo, nas Ardenas, onde se encontrava já o 5º Exército, somando em 1914, 20 divisões de infantaria e 2 de cavalaria. As forças colocadas na fronteira com França, que em 1906 eram os 6º, 7º e 8º Exércitos (30 divisões de infantaria e 3 de cavalaria), passaram a ser o 6º e 7º Exércitos (16 divisões de infantaria e 3 de cavalaria). O 8º Exército foi transferido para a frente oriental.[26][41] Para além das forças acima indicadas, os Alemães tinham enviado duas divisões dos corpos de reserva para a costa do Mar do Norte com a missão de vigiarem um possível desembarque de tropas britânicas.[42]

Qual o objetivo deste dispositivo, destas alterações ao plano inicial? Schlieffen tinha pensado que, se necessário, poderia abandonar, por um curto período de tempo, parte da Alsácia, tal como da Prússia Oriental, onde dispunha de forças mínimas para se opor aos Russos. Moltke considerou que, por razões políticas, não poderia abandonar estes territórios, mesmo que temporariamente. Também não aceitou que, tal como Schlieffen tinha planeado, tropas alemãs atravessassem a parte sul do território holandês. Neste último caso, tratava-se de uma tentativa de não criar mais pretextos para uma intervenção do Reino Unido. Assim, os detalhes do plano alemão foram sendo alterados ao longo dos anos entre a saída de Schlieffen e o início da guerra mas o essencial, as suas grandes linhas estavam fixadas desde há mais de uma dezena de anos.[43]

O Plano Schlieffen foi um dos mais arrojados e controversos planos da Primeira Guerra Mundial. Embora esta seja uma da imagens mais divulgadas sobre o plano, não contempla as operações na frente oriental. Neste mapa vemos a vermelho a representação da manobra do Plano Schlieffen e a azul a manobra do Plano XVII, francês.

Os Alemães necessitavam de infligir aos Franceses uma derrota de tal forma séria que os forçasse a uma atitude defensiva, permitindo assim retirar tropas alemãs da frente ocidental para reforçarem a frente oriental. Para conseguirem atingir estes objetivos, os Alemães fariam avançar a maior parte das suas forças para França, através da Bélgica e do Luxemburgo. O 5º Exército funcionaria como pivot mantendo-se entre Metz e Diedenhofen. A velocidade a que conseguisse progredir o flanco direito alemão, o 1º Exército, determinaria a velocidade de progressão das restantes forças. Os 6º e 7º Exércitos teriam a missão de proteger o flanco esquerdo alemão, manter a posse da Alsácia e da Lorena, conter o ataque francês e contra-atacar para os obrigar a uma situação defensiva que permitiria aos exércitos da ala direita tornear e atacar pela retaguarda.[44]

No seu planeamento, considerando que a Bélgica não iria colocar dificuldades ao seu avanço, os Alemães previam obter uma vitória 42 dias após o início da mobilização. Na sua “fita do tempo” para esta operação estavam calendarizadas as seguintes fases (M = data de início da mobilização):[45]

  • M + 12 – Ultrapassagem de Liège.
  • M + 19 – Tomada de Bruxelas.
  • M + 22 – Passagem da fronteira franco-belga.
  • M + 31 – Chegada à linha Thionville – St. Quentin.
  • M + 39 – Conquista de Paris.
  • M + 42 – Vitória a ocidente.

A aplicação do Plano Schlieffen; consequências

[editar | editar código-fonte]

No dia 4 de Agosto a Alemanha invadiu a Bélgica. Dois dias antes, os alemães tinham invadido o Luxemburgo e tinham enviado um ultimato à Bélgica a exigir o direito de passagem pelo seu território o que lhes foi negado. Os fortes à volta de Liége conseguiram resistir até 16 de Agosto. Para os Alemães não se tratou apenas de uma alteração no calendário do seu plano (eles conseguiram recuperar muito tempo) pois Bruxelas foi ocupada no dia 20 de Agosto, apenas um dia mais tarde que o planeado. Mais grave foi o facto de terem de desviar forças (cinco corpos de exército) da sua ala direita para atacar Namur, Maubeuge e Antuérpia.[46]

No dia 6 de Agosto, os Franceses invadiram a região da Lorena. O Príncipe Ruperto da Baviera, comandante do 6º Exército alemão mas que também detinha controlo operacional sobre o 7º Exército, propôs contra-atacar as forças francesas. Moltke, pensando que conseguiria o envolvimento das forças francesas em ambos os flancos, autorizou. Começaram os combates diretos entre os Alemães e os Franceses, um conjunto de confrontos que tiveram lugar ao longo da fronteira franco-alemã e franco-belga que ficou conhecido como Batalha das Fronteiras. O resultado foi a derrota dos Franceses que retiraram para a sua linha de fortificações na fronteira. Ao assumirem aí uma postura defensiva conseguiram libertar forças para reforçar o centro e a esquerda do seu dispositivo. A 22 de Agosto, os Franceses lançaram uma contra-ofensiva no Sambre mas esta ação fracassou e foram obrigados a retirar. Esta retirada foi feita já com o apoio da Força Expedicionária Britânica (BEF).[47]

Mapa da Frente Ocidental e a corrida até o mar, 1914.

A retirada dos Aliados processou-se entre 22 de Agosto e 5 de Setembro. No dia 23, o BEF travou a Batalha de Mons com as topas do 1º Exército alemão. O 5º Exército francês, na ala direita britânica, retirou sem consultar os seus aliados. As tropas britânicas foram obrigadas a retirar e fizeram-no em boa ordem, durante duas semanas, só parando poucos quilómetros a oeste de Paris. Entretanto, esta acção das forças britânicas permitiu ganhar tempo para os Franceses se reagruparem. Entre 5 e 12 de Setembro, as forças francesas e britânicas travaram a Primeira Batalha do Marne. Os exércitos alemães foram detidos no seu avanço e, numa tentativa de tornear o flanco inimigo, foram avançando cada vez mais para norte. À sua frente, os Aliados avançavam na mesma direção impedindo-os de tornear o seu flanco. Por fim o mar obrigou a estabilizar a frente, as tropas começaram a abrir trincheiras e a guerra baseada no movimento deu lugar à guerra baseada na proteção coletiva. Em grande parte, a Frente Ocidental manteve a mesma fisionomia até 1918. A guerra estava longe de terminar a ocidente e já se travava a segunda grande batalha na Frente Oriental.[48]

O conceito do Plano Schlieffen era obter rapidamente uma vitória decisiva contra a França para poder libertar forças para a Frente Oriental. Na realidade, a Frente Ocidental não se alterou muito até ao final da guerra. Quando se deu a Batalha do Marne e se estabeleceu a linha de trincheiras, já os Russos tinham entrado na Prússia Oriental a 12 de Agosto e ameaçaram Königsberg (hoje chamada Kaliningrado). Moltke substituiu o comandante alemão da frente oriental e o seu chefe do estado-maior. Para ali foram enviados os generais Heindenburg e Ludendorf que conseguiram inverter a situação. Na Batalha de Tannenberg, entre 27 e 31 de Agosto, os Russos sofreram uma derrota em que perderam mais de 100 000 homens (92 000 foram capturados). Entre 7 e 17 de Setembro, na Batalha dos Lagos Masurianos, perderam mais 170 000 homens (45 000 prisioneiros).[49] A ameaça a oriente foi contida mas os Alemães não obtiveram nenhuma vitória decisiva. A guerra iria continuar até 1918.

Notas

  1. Sobre os dados biográficos dos militares acima mencionados foram consultados os artigos correspondentes em The Osprey Companion to the Military History.
  2. Terence Zuber é um historiador controverso. Nas suas obras defende que o plano executado em 1914 é muito diferente dos conceitos de Schlieffen. Numa forma sintética, para Zuber, o Plano Schlieffen não existe. Como na generalidade das situações deste tipo, existem historiadores que apoiaram as teses de Zuber e outros que não a aceitam de todo. A leitura da obra de Zuber, no entanto, permite-nos ter contacto com uma série de dados novos revelados recentemente. Ora, as críticas aplicadas à obra de Zuber não incidem sobre os factos relatados mas sobre as interpretações. Assim, os factos colhidos na obra deste historiador não deixam de ser válidos pois eles em si mesmo, isolados (tanto quanto possível) de qualquer interpretação, nada têm de controverso.

Referências

  1. Farwell, 2001, pp. 322-324
  2. Cowley & Parker, 1996, p. 168-169
  3. Milza, 2007, p. 7
  4. Droz, 1989, p. 58
  5. Droz, 1989, p. 65
  6. Droz, 1989, p. 68
  7. Milza, 2007, pp. 18-20
  8. Milza, 2007, pp. 18-43
  9. Kissinger, 1994, pp. 204-205
  10. Santos, 1949, pp. 26-27
  11. a b c Kissinger, 1994, p. 205
  12. Milza, 2007, p. 83
  13. Milza, 2007, pp. 87-92
  14. Milza, 2007, pp. 92-99
  15. Milza, 2007, pp. 99-129
  16. Milza, 2007, pp. 141-149
  17. Santos, 1949, p. 29
  18. Zuber, 2012, pp. 12-13
  19. a b Zuber, 2012, pp. 5-9
  20. Cowley & Parker, 1996, p. 356
  21. Farwell, 2001, pp. 467-468
  22. Zuber, 2012, p. 46
  23. Zuber, 2012, pp. 13-20
  24. Zuber, 2012, p. 20
  25. Pope & Wheal, 2003, pp. 64-65, Belgium
  26. a b Hènin, 2012, p. 230
  27. Santos, 1949, p. 32
  28. Martelo, 2013, pp. 61-63
  29. Santos, 1949, pp. 38-39
  30. Santos, 1949, pp. 92-93
  31. Santos, 1949, pp. 95-104
  32. Santos, 1949, pp. 105-106
  33. Santos, 1949, pp. 107-110
  34. Santos, 1949, pp. 109-113
  35. Zuber, 2012, pp. 152-154
  36. Pope & Wheal, 2003, pp. 205-206, Great Britain
  37. Audin-Rouzeau & Becker, 2004, pp. 238-239
  38. Chandler & Beckett, 2003, pp. 205 e 209
  39. Martelo, 2003, pp. 44-45, Afiar espadas, outros preparativos
  40. Duffy, The Planing os War.
  41. Martelo, 2003, pp. 40-41
  42. Zuber, 2012, p. 144
  43. Audin-Rouzeau & Becker, 2004, pp. 236-237
  44. Zuber, 2012, pp. 143-145
  45. Martelo, 2003, p. 41
  46. Simkins, 2003, pp. 35-36
  47. Simkins, 2003, pp. 37-38
  48. Simkins, 2003, pp. 38-45
  49. Simkins, 2003, pp. 195-198
  • Audin-Rouzeau & Becker, Stéphane & Jean Jacques, Encyclopédie de la Grande Guerre 1914-1918, 2004, Bayard, Paris, isbn 2-227-13945-5
  • Chandler & Beckett, David Geoffrey & Ian, The Oxford History of the British Army, 2003, Oxford University Press, Great Britain, isbn 978-0-19-280311-5
  • Cowley & Parker, Robert & Geoffrey, editores, The Osprey Companion to Military History, 1996, Osprey Military, London, isbn 1-85532-663-9
  • Droz, Jacques, História da Alemanha, 1989, Publicações Europa-América, Mem Martins, Portugal, isbn 972-1-02930-0
  • Farwell, Byron Edgar, The Encyclopedia of Nineteenth-Century Land Warfare, An Illustrated World View, 2001, W. W. Norton & Company, New York, isbn 0-393-04770-9
  • Hénin, Pierre Yves, Le Plan Schlieffen, Un mois de guerre - deux siècles de controversies, 2012, Economica, Paris, isbn 978-2-7178-6447-2
  • Kissinger, Henry Diplomacy, 1994, Simon & Schuster, New York, isbn 0-671-65991-X
  • Milza, Pierre, As Relações Internacionais de 1871 a 1914, 2007, Edições 70, Lda, Lisboa, isbn 978-972-44-1334-1
  • Martelo, David, Origens da Grande Guerra, 2013, Edições Sílabo, Lisboa, isbn 978-972-618-705-9
  • Martelo, David, colaboração, in Afonso & Matos Gomes, Aniceto & Carlos de, Portugal e a Grande Guerra, 2003, Diário de Notícias, Lisboa, isbn 972-9335-07-9
  • Pope & Wheal, Stephen & Elizabeth-Anne, Dictionary of the First World War, 2003, Pen & Sword Military Classics, United Kingdom, isbn 0-85052-979-4
  • Santos, Brigadeiro Eduardo, Estudos de História Militar sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), 1ª série, 1949, edição do autor, Lisboa
  • Simkins & Jukes & Hickey, Peter & Geoffrey & Michael, The First World War, the war to end all wars, 2003, Osprey Publishing, United Kingdom, isbn 1-84176-738-7
  • Zuber, Terence, The Real German War Plan 1904-14, 2012, The History Press, United Kingdom, isbn 978-0-7524-5664-5

Ligações externas

[editar | editar código-fonte]