A priori e a posteriori
A priori (do latim, caso genitivo de prior, "de antes" ou "do anterior")[1] e a posteriori (do latim, caso genitivo de posterior, "do seguinte", "do depois" ou "do posterior")[2] s�o express�es filos�ficas para distinguir dois tipos de conhecimento ou argumento. Os termos a priori e a posteriori s�o usados principalmente como adjectivos em grau comparativo para modificar o substantivo "conhecimento", ou serem substantivos compostos que se referem a um tipo de conhecimento (por exemplo, conhecimento a priori). No entanto, "a priori" �s vezes � usado como um adjetivo para modificar outros substantivos, como "verdade". Al�m disso, muitas vezes os fil�sofos modificam este uso. Por exemplo, "aprioridade" e "aprioricidade" s�o por vezes utilizados como substantivos para referir (aproximadamente) para a qualidade de ser "a priori".[3]
Conceito
[editar | editar c�digo-fonte]A priori
[editar | editar c�digo-fonte]- A priori � o conhecimento ou justifica��o independente da experi�ncia (por exemplo, "Todos os solteiros n�o s�o casados"). Galen Strawson afirmou que um argumento a priori � aquele em que "voc� pode ver que � verdadeiro apenas deitado em seu sof�. Voc� n�o tem que se levantar do seu sof� e sair para examinar a forma como as coisas no mundo f�sico s�o, pois s�o apenas um fen�meno. Voc� n�o tem que fazer qualquer ci�ncia".[4]
A posteriori
[editar | editar c�digo-fonte]- A posteriori � o conhecimento ou justifica��o dependente de experi�ncia ou evid�ncia emp�rica,[5] ou seja, depende de o objeto do qual ser� retirado o conhecimento esteja disposto aos meus sentidos, o individuo precisa ver, ou sentir, ou tocar, para, a partir dessa premissa, come�ar o racioc�nio. Um exemplo de conhecimento a posteriori seria a indaga��o "qual � o efeito da lactose em um indiv�duo intolerante?". Pode-se perceber que esse questionamento n�o pode ser respondido sem pesquisas cient�ficas, sendo necess�rio realizar testes com lactose em um indiv�duo intolerante para conhecer os efeitos e responder � quest�o. Outro exemplo seria o questionamento relacionado �s ci�ncias humanas: h� desigualdade socioecon�mica nas sociedades ocidentais p�s-modernas? Isso apenas seria comprovado ou refutado a partir do empirismo e da observa��o.
Hist�ria
[editar | editar c�digo-fonte]O fil�sofo do s�culo XIII Tom�s de Aquino, na Summa Theologica, escreveu: "A demonstra��o pode ser feita de duas maneiras: uma � atrav�s da causa, � chamada de "a priori", � argumentar apenas sobre o que est� antes. A outra maneira � atrav�s do efeito, e � chamada de demonstra��o "a posteriori"; � argumentar a partir do que � anterior relativamente apenas a n�s. Quando um efeito � mais conhecido para n�s do que sua causa, a partir do efeito passamos ao conhecimento da causa. Assim todos os efeitos da exist�ncia e sua causa podem ser demonstrados, desde que os seus efeitos s�o mais conhecidos para n�s, porque uma vez que cada efeito depende de sua causa, se o efeito existe, a causa deve pr�-existir".[6]
Alberto da Sax�nia, um l�gico do s�culo XIV, escreveu sobre conhecimento a priori e a posteriori.[7] George Berkeley,o fil�sofo irland�s esbo�ou a distin��o em seu Tratado sobre os princ�pios do conhecimento humano, de 1710, embora os termos j� fossem bem conhecidos nesta �poca.
Rela��o com o necess�rio/contingente
[editar | editar c�digo-fonte]A no��o de a priori � uma no��o epist�mica, que caracteriza o modo como uma proposi��o � conhecida, o de ser conhecida independentemente da experi�ncia. Ao introduzir a no��o de conhecimento a priori, Immanuel Kant equacionou-a com a de necessidade estabelecendo a seguinte equival�ncia: uma proposi��o � conhec�vel a priori se, e somente se, for necess�ria. Foi preciso esperar por Saul Kripke, algu�m que questionou tal conex�o. Essa conex�o foi praticamente refutada no cl�ssico "Naming and Necessity", 1972. Contudo, ainda permanecem alguns resistentes. Mesmo que n�o aceitemos os argumentos de Kripke, tamb�m n�o se pode admitir a conex�o sem argumentos, como at� ent�o se fazia. Em primeiro lugar, � preciso notar que a distin��o entre conhecimento a priori e a posteriori � uma distin��o epist�mica acerca de modos de conhecer, ao passo que a distin��o entre necess�rio e contingente � uma distin��o metaf�sica acerca de tipos de verdade.[8]
Em Kant, s�o a priori, ou seja, universais e necess�rias, as formas ou intui��es puras da sensibilidade (espa�o e tempo), as categorias do entendimento e as ideias da raz�o.[9] Claude Bernard afirma que ideia a priori � aquela que se apresenta sob a forma de uma hip�tese cujas consequ�ncias devem ser submetidas ao crit�rio experimental.[10] Ap�s Kant, alguns fil�sofos t�m considerado a rela��o entre "aprioricidade", analiticidade e necessidade de serem muito pr�xima. De acordo com Jerry Fodor, "o Positivismo, em particular, tinha como certo que verdades a priori devem ser necess�rias...".[11] No entanto, desde Kant, a distin��o entre as proposi��es sint�ticas e anal�ticas tinham se alterado ligeiramente. As proposi��es anal�ticas foram amplamente consideradas como sendo "verdadeiras em virtude de significados e independentemente do fato",[12] enquanto proposi��es sint�ticas n�o, deve-se realizar algum tipo de investiga��o emp�rica, olhando para o mundo, para determinar os valores-verdade de proposi��es sint�ticas.
As defini��es desses termos por Kripke, no entanto, divergem de forma sutil daquelas de Kant. Levando em conta essas diferen�as, a an�lise controversa de Kripke de nomear como contingente e a priori melhor se encaixam no quadro epistemol�gico de Kant, chamando-a "anal�tica a posteriori".[13]
Assim, a rela��o entre "aprioricidade", a necessidade e analiticidade n�o � f�cil de se compreender. No entanto, a maioria dos fil�sofos, pelo menos, parecem concordar que, embora as v�rias distin��es podem se sobrepor, as no��es claramente n�o s�o id�nticas: a distin��o a priori/a posteriori � epistemol�gica, a distin��o anal�tica/sint�tica � lingu�stica e a distin��o necess�rio/contingente � metaf�sica.[14][15]
A justifica��o a priori repousa em intui��es racionais, ou ideias, mas h� uma variedade de pontos de vista sobre a natureza dessas intui��es ou insights. H� também muitas objeções à ideia de que intuições racionais fornecem qualquer tipo de justificação. Racionalistas pensam que pode haver um conhecimento a priori do mundo, enquanto empiristas negam isso.[16]
Leituras adicionais
[editar | editar código-fonte]- Boghossian, P. & Peacocke, C., eds. (2000). New Essays on the A Priori, Oxford: Oxford University Press.
- Descartes, René. (1641). "Meditations on First Philosophy". In Cottingham, et al. (eds.), The Philosophical Writings of Descartes, Cambridge University Press, 1984.
- Fodor, Jerry. (1998). Concepts: Where Cognitive Science Went Wrong, New York: Oxford University Press.
- Fodor, Jerry. (2004). "Water's water everywhere", London Review of Books, Vol. 26, No. 20, dated 21 October 2004.
- Greenberg, Robert. "Kant's Theory of A Priori Knowledge", Penn State Press, 2001 ISBN 0-271-02083-0
- Heisenberg, Werner. (1958). "Physics and Philosophy: The Revolution in Modern Science", pp. 76–92. New York: Harper & Row.
- Hume, David. (1777). An Enquiry concerning Human Understanding, Nidditch, P. N. (ed.), 3rd. ed., Oxford: Clarendon Press, 1975.
- Jenkins, C. S. (2008). A Priori Knowledge: Debates and Developments, in Philosophy Compass 3.
- Immanuel Kant (2012). Crítica da razão pura. [S.l.]: Ed. Vozes. ISBN 978-85-326-4324-7. Consultado em 21 de julho de 2013
- «Critique of Pure Reason». (em inglês)
- Immanuel Kant (2008). Prolegómenos a Toda a Metafísica Futura. [S.l.]: Almedina Brasil - Edições 70. ISBN 9789724415345
- «Prolegomena to any Future Metaphysics» (em inglês)
- Kripke, Saul. (1972). "Naming and Necessity", in Semantics of Natural Language, edited by D. Davidson and G. Harman, Boston: Reidel. (Reprinted in 1980 as Naming and Necessity, Cambridge, MA: Harvard University Press.)
- Leibniz, Gottfried. (1714). Monadology, in Philosophical Essays, edited and translated by Roger Ariew and Daniel Garber, Indianapolis: Hackett, 1989.
- Locke, John. (1689). An Essay Concerning Human Understanding, Prometheus Books.
- Plato. (380 B.C.). Meno, in Plato: Complete Works, Cooper, J. M. (ed.), Indianapolis: Hackett, 1997.
- Quine, W. V. O. (1951). "Two Dogmas of Empiricism", The Philosophical Review, Vol. 60, pp. 20–43.
Referências
- ↑ Merriam-Webster - a priori (em inglês)
- ↑ Merriam-Webster - a posteriori (em inglês)
- ↑ Kitcher, Philip. «A PRIORI KNOWLEDGE REVISITED». Columbia University. Consultado em 22 de julho de 2013. Arquivado do original em 27 de julho de 2013
- ↑ Sommers, Tamler (março de 2003). «Galen Strawon (interview)». Believer Magazine. McSweeney’s. Consultado em 10 de julho de 2013
- ↑ "Um juízo a posteriori só pode ser estabelecido pela experiência"Hilton Japiassú, Danilo Marcondes (1993). Dicionário básico de filosofia. [S.l.]: Zahar. p. 15. ISBN 978-85-378-0341-7
- ↑ «SUMMA THEOLOGICA: The existence of God (Prima Pars, Q. 2)». Newadvent.org. Consultado em 19 de dezembro de 2012
- ↑ «a priori knowledge». Encyclopædia Britannica. I: A-Ak - Bayes 15th ed. Chicago, IL: Encyclopædia Britannica, Inc. 2010. 1 páginas. ISBN 978-1-59339-837-8
- ↑ Enciclopédia de Termos Lógico-Filosóficos, org. por João Branquinho e Desidério Murcho. Gradiva, 2001.
- ↑ Hilton Japiassú, Danilo Marcondes (1993). Dicionário básico de filosofia. [S.l.]: Zahar. p. 15. ISBN 978-85-378-0341-7
- ↑ Enrique Suárez Iñiguez (2007). The Power of Argumentation. [S.l.]: Rodopi. p. 81. ISBN 978-90-420-2287-4
- ↑ Fodor (1998), p. 86.
- ↑ Quine (1951), §1.
- ↑ Stephen Palmquist, "A Priori Knowledge in Perspective: (II) Naming, Necessity and the Analytic A Posteriori", The Review of Metaphysics 41:2 (dexembro de 1987), pp.255-282. Ver também "A Priori Knowledge in Perspective: (I) Mathematics, Method and Pure Intuition", The Review of Metaphysics 41:1 (setembro de 1987), pp.3-22. Neste par de artigos, Palmquist demonstra que o contexto determina muitas vezes como uma proposição deve ser classificada. A proposição que é sintética a posteriori em um contexto pode ser analítica a priori em outro.
- ↑ Baehr (2006), §2 & §3.
- ↑ Editado por Paul Muljadi. Epistemology. [S.l.]: Paul Muljadi. p. 69. GGKEY:AQAD16X2J4P
- ↑ Bruce Russell (21 de julho de 2013). «A Priori Justification and Knowledge». Stanford Encyclopedia of Philosophy (em inglês)