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Cuidado parental

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Ameerega trivittata transportando seus girinos nas costas.

Cuidados parentais representam um mecanismo de seleção pós-copulatória, no qual os progenitores utilizam estratégias que aumentam a sobrevivência de seus descendentes,[1] mas, em contrapartida, reduzem sua própria sobrevivência e/ou possibilidades de futuras reproduções.[2] Dessa forma, progenitores que investem muito em um baixo número de filhotes tendem a diminuir o número total de filhotes produzidos ao longo da vida, mas individualmente os filhotes apresentam maior sobrevivência. Exemplos de cuidado parental incluem suprir a prole com alimento, construir ninhos e abrigos, proteger contra predadores e transmitir calor. Estratégias de cuidado parental são observadas tanto em vertebrados como invertebrados.  

Considerando que a seleção natural atua sobre o indivíduo, o cuidado parental pode parecer paradoxal, já que os pais se prejudicam em benefício dos filhotes. Isto abriria margem para interpretações de seleção em nível de grupo, o que é fortemente rejeitado pelos especialistas.[3] O cuidado parental difere de seleção de grupo pelo grau de relação dos provedores de cuidado parental com a prole.[4][5][6]

Estratégias de cuidado

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  • Estratégia K: Essa estratégia consiste em poucos filhotes com grande investimento de cuidado parental para cada um, mais presente em animais maiores e/ou que vivem bastante.
  • Estratégia r: Animais que seguem essa estratégia tendem a ter muitos filhotes em intervalos curtos de tempo. Esse padrão é encontrado em locais onde os recursos possuem disponibilidade irregular, podendo ser escassos e imprevis�veis; e, quando dispon�veis, s�o abundantes. Uma habilidade maior de reprodu��o gera a possibilidade de aproveitar ao m�ximo os recursos quando acess�veis.
    • Esp�cies "r" possuem gera��es mais curtas e que os permitem sincronizar sua prole com a esta��o que mais vai lhes favorecer.[7]
Em humanos, assim como em outros mam�feros placent�rios, f�meas carregam um embri�o em desenvolvimento no interior do corpo. Este comportamento apresenta um elevado custo em termos de energia para as m�es, mas confere mais prote��o ao embri�o.

Mam�feros s�o um dos t�xons com maior n�mero de trabalhos reportando cuidado parental.[8] Ainda que apenas uma pequena parte dos mam�feros apresentam cuidado parental,[9][10] e uma menor por��o se reproduza de forma socialmente monog�mica.[11] Na pr�tica, esse interesse se d� pela proximidade filogen�tica de humanos Homo sapiens com as demais esp�cies do t�xon. Isso fica evidente pelo elevado n�mero de estudos envolvendo primatas.[12]

Leoa (Panthera Leo) com seus filhotes

Mam�feros apresentam duas grandes adapta��es para o cuidado da prole, a gesta��o (desenvolvimento do embri�o dentro do corpo da m�e) e a produ��o de leite. Quando machos de mam�feros executam cuidado parental, os custos envolvidos tendem a ser elevados. Machos que cuidam da sua prole tendem a sofrer mudan�as na massa corporal e n�veis hormonais.[13][14][15][16] Em humanos, a cria��o de filhos pode representar um dos principais componentes do or�amento familiar.[17] 

Indiv�duo adulto de Sabi� coleira, Turdus albicollis, encubando ovos no ninho.

Aves s�o um dos principais t�xons com estudos envolvendo cuidado parental. Neste grupo, grande parte das esp�cies (aproximadamente 90%) apresentam sistema reprodutivo de monogamia social,[18] onde machos e f�meas contribuem para o cuidado da prole, contudo, fertiliza��es extra-par s�o observadas em v�rias ordens.[19][20] Tal caracter�stica, faz deste t�xon um excelente objeto de estudo de custos e benef�cios de investimento em cuidado parental. Estudos indicam que componentes similares do cuidado parental de aves e mam�feros s�o converg�ncias evolutivas.[13] Em aves, a necessidade de investimento parental requerido p�s-eclos�o ou nascimento � tida como base para a separa��o da estrat�gia reprodutiva em dois grupos: precocial e altricial. Em alguns grupos de aves, como pombas (Columbidae), flamingos (Phoenicopteridae) e alguns pinguins (Spheniscidae) � observado uma caracter�stica peculiar no investimento parental para o grupo: o "leite de pomba". O "leite de pomba" ou "Crop milk" (em ingl�s) consiste na reuni�o de elementos secretados pela parede da moela dos progenitores dilu�do em �gua. Estudos indicam que tal secre��o � uma importante fonte de energia e nutrientes, tais como carotenoides, para aves em seus primeiros est�gios de vida.[21]

Diversas esp�cies de anf�bios, como a Hyalinobatrachium yaku e a Rheobatrachus sp., apresentam cuidado parental.[22] Este grupo apresenta uma elevada diversidade de estrat�gias de cuidado parental assim como uma elevada diversidade de estrat�gias reprodutivas. Seis padr�es gerais de cuidado parental s�o reconhecidos para anf�bios, sendo eles: cuidados de ovos, transporte de ovos, cuidado de girinos, transporte de girinos, alimenta��o de girinos, e gesta��o interna no oviduto (viviparidade).[22]

A maior parte dos filhotes de r�pteis eclodem dos ovos depois de um longo per�odo ap�s os progenitores se afastarem dos ovos. Algumas esp�cies de lagartos e cobras guardam os ovos. Cobras do g�nero Python incubam seus ovos por um tempo, mas ap�s o nascimento dos filhotes, n�o h� maior investimento no cuidado da prole. Entre os r�pteis, apenas os crocodilianos e seus parentes pr�ximos tendem a cuidar dos ovos e filhotes.

Exemplo de Cavalo Marinho macho gravido

O cuidado parental evoluiu em diversos grupos de peixes. Na fam�lia Syngnathidae (ex. cavalos marinhos) apresentam uma estrat�gia reprodutiva onde os machos se tornam gr�vidos, ao passo que as f�meas provem pouco ou nenhum investimento p�s-fecunda��o. Em outras esp�cies, machos assumem papel de proteger os ovos antes destes eclodirem.[23]

O comportamento de incuba��o oral, apresentado por alguns peixes, consiste em um adulto guardar os filhotes em sua boca, por extensos per�odos de tempo. Este comportamento, parece ter evolu�do independentemente em diversas fam�lias de peixe.[24]

Invertebrados

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Alguns insetos, mas principalmente Hymenoptera, investem substancialmente no cuidado da prole. O tipo de cuidado e quantidade de cuidado dispendido variam. Vespas solit�rias constroem ninhos para seus jovens, prov�m alimento para estes e selam o ninho. Ap�s o nascimento os jovens se alimentam unicamente do alimento deixado pelo adulto na constru��o do ninho.[25] Em vespas sociais, adultos constroem ninhos para o desenvolvimento dos seus filhotes, e provem alimento para o desenvolvimento dos mesmos. Em contraste, abelhas jovens crescem em col�nias, onde os ovos s�o postos principalmente pela rainha, e os filhotes s�o cuidados pelas operarias.[26] Escarabe�deosLepidoptera tamb�m apresentam cuidado parental. Borboletas ovopositam sobre locais onde seus filhotes ser�o capazes de se alimentar. Grilos tamb�m s�o conhecidos por colocarem seus ovos em pontos �timos para o desenvolvimento de filhotes. Muitas esp�cies de Hemiptera cuidam dos seus filhotes. Algumas esp�cies das fam�lias Belostomatidae, como o g�nero Abedus, apresentam cuidado parental.

Tipos de cuidado parental

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Tem-se a concep��o de que o cuidado parental � algo comum em todas as esp�cies animais, no entanto, � raro ver tal comportamento e na maioria das vezes � feito apenas por um dos progenitores, menos comum o macho. Al�m disso, o cuidado parental est� associado ao custo-benef�cio para a esp�cie.[27] Existem diversas estrat�gias de cuidado parental, que variam desde o cuidado m�nimo, como a guarda incidental de ovos em territ�rios de acasalamento, at� o cuidado parental extremo, como quando um dos progenitores se oferece como fonte de alimento para a prole.

Al�m disso, h� tamb�m tipos de cuidado parental, em que vai depender de quem ir� exercer o comportamento.

Esses s�o:

  • Cuidado maternal: � o tipo de mais comum de cuidado parental, em que h� dedica��o exclusiva no cuidado da ninhada pela f�mea. O cuidado maternal � muito comum em mam�feros.[27][28]
    Macho de Belostomatidae (Barata d'�gua) carregando ovos no dorso.
    Cuidado paternal: � o cuidado da prole exercido pelos machos sem nenhum cuidado feminino. Esse tipo de cuidado � comum em algumas esp�cies como por exemplo, os opili�es,[29] baratas d'�gua, algumas esp�cies de peixes, entre outros. Observou-se que tal comportamento quando exercido pelos machos de algumas esp�cies, eles se tornam mais atrativos para as f�meas daquela esp�cie, com isso aumenta a chance de reprodu��o de tal macho.[27]
  • Cuidado biparental: muito comum em aves, esse tipo de cuidado � quando os dois progenitores se encarregam de cuidar da prole. � importante destacar que por mais que ambos cuidem da prole, isso n�o significa que o cuidado seja igualit�rio. As tarefas podem ser divididas ou algum dos progenitores vai exercer um maior papel no cuidado, dependendo da esp�cie.[27]
  • Cuidado aloparental: etimologicamente a palavra aloparental significa, alo: diferente de parental: parente. Aloparentalidade � quando um indiv�duo cuida de um filhote que n�o � seu descendente. Em algumas esp�cies, normalmente as que vivem em grupos, um indiv�duo destina aten��o e cuidado a uma prole que n�o � sua.[30] Esse tipo de cuidado pode ser exercido por tias, irm�os, primos e machos que tomam posse de uma ninhada que era de outro macho.[31] Um exemplo � de suricatos, que enquanto a f�mea alfa est� longe do grupo, as outras f�meas ficam respons�veis por vigiar e proteger os filhotes.
    • Apesar de parecer controverso gastar energia em uma prole que n�o � sua, a taxa de sucesso nessa estrat�gia se mostra eficaz, em aranhas da esp�cie Stegodyphus dumicola , uma esp�cie de aranha social que apresenta aloparentalidade. Filhotes mostraram melhor crescimento quando receberam cuidado tanto da m�e quanto de outra f�mea em compara��o �queles que tiveram apenas cuidado maternal.[32]
    • Em alguns casos de cuidado aloparental, tamb�m pode ocorrer pelo nidoparasitismo, ou seja, quando a postura de ovos � feita nos ninhos de outros indiv�duos, da mesma ou de outra esp�cie.[33] Como por exemplo o p�ssaro cuco ou o peixe-cuco (Synodontis multipunctatus).

Modelos te�ricos de cuidado parental

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Exemplo de filhotes de Beija-flor protegidos por um ninho constru�do pelos seus progenitores.

De forma geral, f�meas tendem a despender maior cuidado parental que os machos.[34] Modelos matem�ticos sugerem que o custo para os machos no cuidado parental seja maior que nas f�meas, especialmente devido � incerteza da paternidade.[35] Ainda controlando o efeito da filogenia, em espécies onde o cuidado parental é elevado tende-se a observar baixas taxas de fertilização extra-par.[36] Essa observação indica que há seleção contra machos que despendem cuidado parental com filhotes que não são geneticamente relacionados a eles. 

Referências

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