Esmectite
A smectite (por vezes esmectite ou esmectita) é a designação dada nas aplicações industriais e comerciais a uma mistura de minerais de argila, coletivamente designados por família da smectite, pertencente ao grupo dos filossilicatos, cujo mineral dominante é em geral a montmorilonite, mas frequentemente contém quantidades apreciáveis de minerais secundários como o quartzo e a calcite.[1] O termo não tem significado mineralógico preciso, já que não designa especificamente nenhum mineral, sendo antes uma designação coletiva usada para fins técnico-comerciais no contexto da ciência dos materiais. As smectites apresentam-se como misturas pulverulentas, de coloração geralmente esverdeada, com um alto índice de absorção de água e de outros líquidos, incluindo hidrocarbonetos, o que lhes confere grande expansibilidade e alta capacidade de troca catiónica.[2][3]
Descrição
[editar | editar código-fonte]Terminologia
[editar | editar código-fonte]Na mineralogia das argilas, o termo «smectite» é frequentemente considerado sinónimo de «montmorilonite» (também o nome de uma mineral de argila) quando se pretende indicar uma classe de argilas intumescentes sem referir qualquer dos seus minerais em particular. Neste contexto, o termo «smectite» é geralmente usado na Europa, enquanto o termo «montmorilonite» é preferido na América do Norte, mas ambos os termos são equivalentes e podem ser usados de forma intercambiável. Para aplicações industriais e comerciais, o termo «bentonite» é frequentemente usado em vez de «smectite» ou «montmorilonite».
Etimologia
[editar | editar código-fonte]O nome «smectite» deriva de argila esmética, material também por vezes designado por terra de fuller. O adjetivo esmético vem do grego clássico smêktikos, σμηκτικός, 'lubrificado', significando capaz de limpar ou esfregar (ação de raspagem, escovação envolvendo uma operação de fricção), que também anda associado com a necessidade de lubrificação ou de ensaboar.[3] Argilas esméticas com propriedades de limpeza eram usadas para limpar tecidos e estofos que eram pisoados sob os pés com terra para encher (em francês: terre à foulon) ou terras de pisão. A tradução quase fonética da designação francesa para o inglês deu fuller's earth, termo que por vezes aparece traduzido para português como terras de fuller.
Caraterísticas estruturais
[editar | editar código-fonte]As smectites são uma mistura de vários minerais argilosos pertencentes ao grupo dos filossilicatos, argilas intumescentes com elevada capacidade de absorção de água e outros fluidos. Embora seja uma designação coletiva, incluindo um numeroso e diverso grupo de silicatos que cristalizam no sistema monoclínico, estes minerais apresentam uma composição química do tipo:
A0,3D2,-3T4O10Z2· n H2O, onde A representa um catião interfoliar (elemento alcalino ou alcalino-terroso); D um catião octaédrico; T um catião tetraédrico; O o elemento oxigénio; e Z um anião monovalente (geralmente OH−). Para efeitos estruturais, um catião é considerado octaédrico quando está ligado a seis aniões óxido (O2–) situados nas seis arestas de um octaedro (número de coordenação, n.c. = 6), tetraédrico se está ligado a quatro aniões óxido (n.c. = 4; um tetraedro tem quatro arestas).
Estas características químicas fazem destes minerais filossilicatos de estrutura TOT (ou 2:1), isto é, constituído por folhas compostas por duas camadas tetraédricas formadas por tetraedros polimerizados de SiO4 ou AlO4, com um grupo OH− no centro de cada um dos hexágonos formados pelos átomos de oxigénio apicais.[4] Os átomos de oxigénio apicais e os iões OH− de uma camada ocorrem alinhados entre camadas, ligados por catiões octaédricos.[4] As folhas são mantidas unidas pela ação dos catiões interfoliares.
A estrutura da camada TOT (2:1) consiste em duas camadas de sílica (SiO2) com geometria molecular tetraédrica (T) que são ligadas eletrostaticamente, através de um Al2O3 (gibbsite) ou Fe2O3, a uma camada central de geometria molecular octaédrica (O). As camadas elementares TOT não estão rigidamente ligadas umas às outras pois são separadas por um espaço livre, a camada intermediária interlamelar, que hospeda catiões hidratados e moléculas de água. A smectite pode assim intumescer devido à incorporação reversível de água e de catiões no espaço interlamelar.
As camadas TOT apresentam uma carga elétrica negativa devido à substituição isomórfica de átomos de Si(IV) por átomos de Al(III) nas duas camadas externas de sílica tetraédrica e por causa da substituição de átomos de Al(III) ou Fe(III) por Mg2+ ou Fe2+ na camada octa�drica interna da gibbsite. Como as cargas +4 geradas pelo Si(IV), e normalmente compensadas pelas cargas -4 dos �tomos de oxig�nio circundantes, tornam-se +3 devido � substitui��o de Si(IV) por Al(III), ocorre um desequil�brio el�trico: +3 -4 = -1. O excesso de cargas negativas na camada TOT deve ser compensado pela presen�a de cati�es positivos na camada intermedi�ria. O mesmo racioc�nio tamb�m se aplica � camada central de gibbsite da unidade elementar TOT quando um i�o Al3+ � substitu�do por um i�o Mg2+ nm octaedro de gibbsite. O desequil�brio el�trico �: +2 -3 = -1.
No grupo h� uma distin��o entre as smectites diocta�dricas (como a beidelite, montmorilonite e a notronite) e triocta�dricas (como a hectorite e a saponite). Nas diocta�dricas ocorrem tr�s s�tios octa�dricos por estrutura (seis ensanduichados entre duas folhas): um M1 e dois M2, mas nos filossilicatos triocta�dricos estes tr�s s�tios est�o ocupados, enquanto nos filossilicatos diocta�dricos apenas os dois s�tios M2 est�o ocupados.[4]
Sendo a montmorilonite o mineral espec�fico mais comum nestes materiais, a fam�lia smectite � por vezes designada por �grupo montmorilonite�. Contudo, a mistura pode conter percentagens variadas de outros filossilicatos, bem como outros minerais secund�rios, com destaque para o quartzo e a calcite.[1]
Efeito dos cati�es no processo de intumescimento
[editar | editar c�digo-fonte]Os principais cati�ess presentes nas camadas intermedi�rias de smectite s�o Na+ e Ca2+. Os cati�es de s�dio s�o respons�veis pelo maior intumescimento da smectite, enquanto os i�es de c�lcio t�m propriedades de intumescimento mais baixas. A smectite rica em c�lcio tem uma capacidade de expans�o significativamente menor do que a smectite s�dica, mas tamb�m � menos propensa a sofrer retra��o quando dessecada.[5]
O grau de hidrata��o dos cati�es, e seus correspondentes raios hidratados, explica o comportamento de intumescimento e retra��o dos filossilicatos. Outros cati�es, como os i�es Mg2+ e K+, exibem um efeito ainda mais contrastante: i�es de magn�sio muito hidratados s�o altamente �intumescedores�, como ocorre na vermiculite (intercamada totalmente expandida) enquanto os i�es de pot�ssio mal hidratados s�o �colapsadores�, como na ilite (intercamada totalmente colapsada).
Como o espa�o interlamelar das smectites � mais aberto e, portanto, mais facilmente acess�vel � �gua e aos cati�es, as smectites exibem a maior capacidade de troca cati�nica (CTC) de todos os minerais argilosos comuns encontrados nos solos. Apenas a vermiculite � mais expans�vel e alguns minerais de aluminossilicatos mais raros (ze�litos) com estrutura de canal interno podem exibir uma capacidade de troca mais elevada do que a smectite.
Processo de forma��o
[editar | editar c�digo-fonte]As smectites s�o formadas a partir da meteoriza��o do basalto, gabro e vidro vulc�nico rico em s�lica (por exemplo, pedra-pomes, obsidiana, riolito ou dacite). Muitas smectites s�o formadas nos sistemas hidrot�rmicos (como os associados a fumarolas e geysers) instalados em estruturas vulc�nicas, onde a �gua quente que percola atrav�s da matriz porosa ou fissural dos dep�sitos de cinzas vulc�nicas (pomes, pozolanas) dissolve a maior parte da s�lica amorfa (processo em que at� 50% em peso de SiO2 � dissolvido), deixando a smectite no lugar.
Este mecanismo � respons�vel pela forma��o do dep�sito de bentonite na Serrata de N�jar, no Cabo de Gata, na regi�o sudeste de Almer�a, na Andaluzia (Espanha). A bentonite conhecida por Wyoming MX-80 formou-se de maneira semelhante durante o Per�odo Cret�ceo, quando cinzas vulc�nicas ca�ram num mar interior no continente norte-americano (o Mar Interior Ocidental). As cinzas vulc�nicas altamente porosas (com uma grande superf�cie espec�fica facilmente acess�vel) e muito reativas interagiram rapidamente com a �gua do mar. Por causa da hidr�lise da s�lica, a maior parte do di�xido de sil�cio foi dissolvida na �gua do mar e removida das cinzas, dando origem � forma��o de smectites.
As smectites encontradas em muitos dep�sitos de argila marinha s�o frequentemente formadas dessa maneira, como � o caso das argilas Ypresianas encontradas na B�lgica, muito ricas em smectites.
Aplica��es
[editar | editar c�digo-fonte]A fin�ssima granulometria das part�culas das argilas do tipo pel�tico (tamanho < 2 �m) foi essencial para a limpeza mec�nica de t�xteis por fric��o delicada, onde o poder abrasivo das areias ou cascalhos teria danificado as fibras e cortado os tecidos. Uma vantagem das smectites com grande poder de expansibilidade � formar um gel viscoso e muito pegajoso com elevado poder lubrificante. Argilas n�o intumescentes, como a caulinite (TO, 1:1), ilite (TOT, 2:1 com um espa�o interlamelar fechado por cati�es de c�sio, Cs+) e clorites (TOT, 2:1 com um espa�o interlamelar fechado por uma ponte de brucite) tamb�m s�o argilas muito finas, mas n�o tem poder gelificante, n�o formando facilmente coloides. A alta capacidade de adsor��o de cati�es (capacidade de troca cati�nica, CEC) e a presen�a de impurezas no espa�o interlamelar acess�vel das smectites aumenta ainda mais as suas propriedades de limpeza.
Para al�m da tradicional utiliza��o na ind�stria t�xtil, as smectites t�m in�meras aplica��es industriais, farmac�uticas e cosm�ticas. Entre os principais usos est� a prepara��o de lamas de perfura��o, de produtos de polimento e a fabrica��o de papel. As smectites tamb�m servem como aditivo em tintas ou como agente espessante para v�rias prepara��es.
Na ind�stria farmac�utica, as smectites dioct�dricas s�o o principal ingrediente da diosmectite (comercializada sob o nome de Smecta), um um preparado usado para tratar diarreia. No campo da cosm�tica, o uso tamb�m � bastante difundido, principalmente para a prepara��o de produtos usados em tratamentos contra o acne.
Em obras de engenharia civil, as smectites s�o rotineiramente utilizado como uma pasta espessa, geralmente designada por bentonite, na escava��o de valas profundas e estreitas no solo para apoiar as paredes laterais e evitar o seu colapso. As esmectitas, especialmente as chamadas bentonites, s�o usadas como materiais tamp�o e de recobrimento para preencher o espa�o ao redor de res�duos radioativos de alto n�vel em reposit�rios geol�gicos profundos.
Ver tamb�m
[editar | editar c�digo-fonte]- Argilas, uma classe de minerais.
- Argila esm�tica, ou terras de fuller.
- Beidelite, uma smectite dioctaédrca (2 × Al3+, ou 2 × Fe3+).
- Bentonite, uma rocha solta de cinzas vulcânicas alteradas (desvitrificadas) muito ricas em smectites.
- Hectorite, uma smectite trioctaédrica (3 × Mg2+, ou 3 × Fe2+).
- Lutite, ou pelite, um mineral detrítico de granulometria muito fina.
- Montmorilonite, o mineral mais comum na smectite e o seu sinónimo em inglês (USA).
- Smecta, um medicamento anti-diarreico.
- Nontronite, um mineral de argila.
- Saponite, um mineral de argila.
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ a b Friedrich Klockmann (1978) [1891], Paul Ramdohr, Hugo Strunz, ed., Klockmanns Lehrbuch der Mineralogie, ISBN 3-432-82986-8 (em alemão) 16. ed. , Stuttgart: Enke, p. 753
- ↑ Departamento de Geociências Universidade de Évora; Elsa Sampaio. «MINERALOGIA DO SOLO» (PDF). Consultado em 27 de novembro de 2012
- ↑ a b CNRLT (2012). «Smectite : Définition de smectite» [Smectite: Definition of smectite] (em francês). cnrtl.fr. Consultado em 28 de julho de 2022.
Terre qui a la propriété de nettoyer. Earth that has the property of cleaning
- ↑ a b c Ariel Provost & Cyril Langlois, Mini manuel de géologie - Roches et Géochimie: Cours et exercices corrigés, pp. 40-44. Dunod, Paris, 2011 (ISBN 978-2100566518).
- ↑ Barast, Gilles; Razakamanantsoa, Andry-Rico; Djeran-Maigre, Irini; Nicholson, Timothy; Williams, David (junho de 2017). «Swelling properties of natural and modified bentonites by rheological description». Applied Clay Science. 142: 60–68. doi:10.1016/j.clay.2016.01.008
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Meunier, Alain (2005). Clays. [S.l.]: Springer Science & Business Media. pp. 108–. ISBN 978-3-540-21667-4
- Mitchell, J. K. (2001). Physicochemistry of soils for geoenvironmental engineering. In Geotechnical and geoenvironmental engineering handbook (pp. 691-710). Springer, Boston, MA.
- Mitchell, J. K., & Soga, K. (2005). Fundamentals of soil behavior (Vol. 3). New York: John Wiley & Sons.
- Mackenzie, R. C., & Mitchell, B. D. (1966). Clay mineralogy. Earth-Science Reviews, 2, 47-91.
- Jeans, C. V., Merriman, R. J., Mitchell, J. G., & Bland, D. J. (1982). Volcanic clays in the Cretaceous of southern England and Northern Ireland. Clay Minerals, 17(1), 105-156. https://doi.org/10.1180/claymin.1982.017.1.10
- Wagner, J. F. (2013). Chapter 9: Mechanical properties of clays and clay minerals. In: Developments in Clay Science, 5, 347-381. Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-08-098258-8.00011-0