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Esmectite

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
Micrografia de uma smectite obtida por microscopia eletrónica de varrimento (magnificação 23 500 vezes; U.S. Geological Survey – Tuckup Canyon).
Estrutura cristalográfica de um mineral de argila do tipo 2:1 composto por três folhas sobrepostas de Tetraedo-Octaedro-Tetraedo (unidade de camada TOT), respetivamente.
Estrutura em folhas TOT (ou 2:1) característica das smectites. O espaço interfoliar é ocupado por catiões hidratados (Na+ et Ca2+) e por moléculas de água, o que confere as características de expansibilidade às smectites hidratadas.
Estrutura molecular detalhada da montmorilonite pura, o membro final mais conhecido do grupo das smectites. O espaço interlamelar entre duas camadas TOT sucessivas é preenchido com catiões hidratados (principalmente iões Na+ e Ca2+), compensando as cargas elétricas negativas das camadas TOT, com moléculas de água causando a expansão interlamelar.
舒腹達 (Smecta), medicamento à base de diosmectite, uma smectite dioctaédrica usada como anti-diarreico.
Padrão típico de fendilhação de uma smectite rica em bentonite após dessecação e retração.
Típica pluma vulcânica cujas cinzas, quando sujeitas a meteorização após contacto com água do mar, são a principal fonte de smectite. A lixiviação da maior parte da sílica amorfa leva à dissolução parcial das obsidianas, o principal constituinte do vidro vulcânico.

A smectite (por vezes esmectite ou esmectita) é a designação dada nas aplicações industriais e comerciais a uma mistura de minerais de argila, coletivamente designados por família da smectite, pertencente ao grupo dos filossilicatos, cujo mineral dominante é em geral a montmorilonite, mas frequentemente contém quantidades apreciáveis de minerais secundários como o quartzo e a calcite.[1] O termo não tem significado mineralógico preciso, já que não designa especificamente nenhum mineral, sendo antes uma designação coletiva usada para fins técnico-comerciais no contexto da ciência dos materiais. As smectites apresentam-se como misturas pulverulentas, de coloração geralmente esverdeada, com um alto índice de absorção de água e de outros líquidos, incluindo hidrocarbonetos, o que lhes confere grande expansibilidade e alta capacidade de troca catiónica.[2][3]

Na mineralogia das argilas, o termo «smectite» é frequentemente considerado sinónimo de «montmorilonite» (também o nome de uma mineral de argila) quando se pretende indicar uma classe de argilas intumescentes sem referir qualquer dos seus minerais em particular. Neste contexto, o termo «smectite» é geralmente usado na Europa, enquanto o termo «montmorilonite» é preferido na América do Norte, mas ambos os termos são equivalentes e podem ser usados de forma intercambiável. Para aplicações industriais e comerciais, o termo «bentonite» é frequentemente usado em vez de «smectite» ou «montmorilonite».

O nome «smectite» deriva de argila esmética, material também por vezes designado por terra de fuller. O adjetivo esmético vem do grego clássico smêktikos, σμηκτικός, 'lubrificado', significando capaz de limpar ou esfregar (ação de raspagem, escovação envolvendo uma operação de fricção), que também anda associado com a necessidade de lubrificação ou de ensaboar.[3] Argilas esméticas com propriedades de limpeza eram usadas para limpar tecidos e estofos que eram pisoados sob os pés com terra para encher (em francês: terre à foulon) ou terras de pisão. A tradução quase fonética da designação francesa para o inglês deu fuller's earth, termo que por vezes aparece traduzido para português como terras de fuller.

Caraterísticas estruturais

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As smectites são uma mistura de vários minerais argilosos pertencentes ao grupo dos filossilicatos, argilas intumescentes com elevada capacidade de absorção de água e outros fluidos. Embora seja uma designação coletiva, incluindo um numeroso e diverso grupo de silicatos que cristalizam no sistema monoclínico, estes minerais apresentam uma composição química do tipo:

A0,3D2,-3T4O10Z2· n H2O, onde A representa um catião interfoliar (elemento alcalino ou alcalino-terroso); D um catião octaédrico; T um catião tetraédrico; O o elemento oxigénio; e Z um anião monovalente (geralmente OH). Para efeitos estruturais, um catião é considerado octaédrico quando está ligado a seis aniões óxido (O2–) situados nas seis arestas de um octaedro (número de coordenação, n.c. = 6), tetraédrico se está ligado a quatro aniões óxido (n.c. = 4; um tetraedro tem quatro arestas).

Estas características químicas fazem destes minerais filossilicatos de estrutura TOT (ou 2:1), isto é, constituído por folhas compostas por duas camadas tetraédricas formadas por tetraedros polimerizados de SiO4 ou AlO4, com um grupo OH no centro de cada um dos hexágonos formados pelos átomos de oxigénio apicais.[4] Os átomos de oxigénio apicais e os iões OH de uma camada ocorrem alinhados entre camadas, ligados por catiões octaédricos.[4] As folhas são mantidas unidas pela ação dos catiões interfoliares.

A estrutura da camada TOT (2:1) consiste em duas camadas de sílica (SiO2) com geometria molecular tetraédrica (T) que são ligadas eletrostaticamente, através de um Al2O3 (gibbsite) ou Fe2O3, a uma camada central de geometria molecular octaédrica (O). As camadas elementares TOT não estão rigidamente ligadas umas às outras pois são separadas por um espaço livre, a camada intermediária interlamelar, que hospeda catiões hidratados e moléculas de água. A smectite pode assim intumescer devido à incorporação reversível de água e de catiões no espaço interlamelar.

As camadas TOT apresentam uma carga elétrica negativa devido à substituição isomórfica de átomos de Si(IV) por átomos de Al(III) nas duas camadas externas de sílica tetraédrica e por causa da substituição de átomos de Al(III) ou Fe(III) por Mg2+ ou Fe2+ na camada octa�drica interna da gibbsite. Como as cargas +4 geradas pelo Si(IV), e normalmente compensadas pelas cargas -4 dos �tomos de oxig�nio circundantes, tornam-se +3 devido � substitui��o de Si(IV) por Al(III), ocorre um desequil�brio el�trico: +3 -4 = -1. O excesso de cargas negativas na camada TOT deve ser compensado pela presen�a de cati�es positivos na camada intermedi�ria. O mesmo racioc�nio tamb�m se aplica � camada central de gibbsite da unidade elementar TOT quando um i�o Al3+ � substitu�do por um i�o Mg2+ nm octaedro de gibbsite. O desequil�brio el�trico �: +2 -3 = -1.

No grupo h� uma distin��o entre as smectites diocta�dricas (como a beidelite, montmorilonite e a notronite) e triocta�dricas (como a hectorite e a saponite). Nas diocta�dricas ocorrem tr�s s�tios octa�dricos por estrutura (seis ensanduichados entre duas folhas): um M1 e dois M2, mas nos filossilicatos triocta�dricos estes tr�s s�tios est�o ocupados, enquanto nos filossilicatos diocta�dricos apenas os dois s�tios M2 est�o ocupados.[4]

Sendo a montmorilonite o mineral espec�fico mais comum nestes materiais, a fam�lia smectite � por vezes designada por �grupo montmorilonite�. Contudo, a mistura pode conter percentagens variadas de outros filossilicatos, bem como outros minerais secund�rios, com destaque para o quartzo e a calcite.[1]

Efeito dos cati�es no processo de intumescimento

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Os principais cati�ess presentes nas camadas intermedi�rias de smectite s�o Na+ e Ca2+. Os cati�es de s�dio s�o respons�veis pelo maior intumescimento da smectite, enquanto os i�es de c�lcio t�m propriedades de intumescimento mais baixas. A smectite rica em c�lcio tem uma capacidade de expans�o significativamente menor do que a smectite s�dica, mas tamb�m � menos propensa a sofrer retra��o quando dessecada.[5]

O grau de hidrata��o dos cati�es, e seus correspondentes raios hidratados, explica o comportamento de intumescimento e retra��o dos filossilicatos. Outros cati�es, como os i�es Mg2+ e K+, exibem um efeito ainda mais contrastante: i�es de magn�sio muito hidratados s�o altamente �intumescedores�, como ocorre na vermiculite (intercamada totalmente expandida) enquanto os i�es de pot�ssio mal hidratados s�o �colapsadores�, como na ilite (intercamada totalmente colapsada).

Como o espa�o interlamelar das smectites � mais aberto e, portanto, mais facilmente acess�vel � �gua e aos cati�es, as smectites exibem a maior capacidade de troca cati�nica (CTC) de todos os minerais argilosos comuns encontrados nos solos. Apenas a vermiculite � mais expans�vel e alguns minerais de aluminossilicatos mais raros (ze�litos) com estrutura de canal interno podem exibir uma capacidade de troca mais elevada do que a smectite.

Processo de forma��o

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As smectites s�o formadas a partir da meteoriza��o do basalto, gabro e vidro vulc�nico rico em s�lica (por exemplo, pedra-pomes, obsidiana, riolito ou dacite). Muitas smectites s�o formadas nos sistemas hidrot�rmicos (como os associados a fumarolas e geysers) instalados em estruturas vulc�nicas, onde a �gua quente que percola atrav�s da matriz porosa ou fissural dos dep�sitos de cinzas vulc�nicas (pomes, pozolanas) dissolve a maior parte da s�lica amorfa (processo em que at� 50% em peso de SiO2 � dissolvido), deixando a smectite no lugar.

Este mecanismo � respons�vel pela forma��o do dep�sito de bentonite na Serrata de N�jar, no Cabo de Gata, na regi�o sudeste de Almer�a, na Andaluzia (Espanha). A bentonite conhecida por Wyoming MX-80 formou-se de maneira semelhante durante o Per�odo Cret�ceo, quando cinzas vulc�nicas ca�ram num mar interior no continente norte-americano (o Mar Interior Ocidental). As cinzas vulc�nicas altamente porosas (com uma grande superf�cie espec�fica facilmente acess�vel) e muito reativas interagiram rapidamente com a �gua do mar. Por causa da hidr�lise da s�lica, a maior parte do di�xido de sil�cio foi dissolvida na �gua do mar e removida das cinzas, dando origem � forma��o de smectites.

As smectites encontradas em muitos dep�sitos de argila marinha s�o frequentemente formadas dessa maneira, como � o caso das argilas Ypresianas encontradas na B�lgica, muito ricas em smectites.

Aplica��es

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Ver artigo principal: Bentonite

A fin�ssima granulometria das part�culas das argilas do tipo pel�tico (tamanho < 2 �m) foi essencial para a limpeza mec�nica de t�xteis por fric��o delicada, onde o poder abrasivo das areias ou cascalhos teria danificado as fibras e cortado os tecidos. Uma vantagem das smectites com grande poder de expansibilidade � formar um gel viscoso e muito pegajoso com elevado poder lubrificante. Argilas n�o intumescentes, como a caulinite (TO, 1:1), ilite (TOT, 2:1 com um espa�o interlamelar fechado por cati�es de c�sio, Cs+) e clorites (TOT, 2:1 com um espa�o interlamelar fechado por uma ponte de brucite) tamb�m s�o argilas muito finas, mas n�o tem poder gelificante, n�o formando facilmente coloides. A alta capacidade de adsor��o de cati�es (capacidade de troca cati�nica, CEC) e a presen�a de impurezas no espa�o interlamelar acess�vel das smectites aumenta ainda mais as suas propriedades de limpeza.

Para al�m da tradicional utiliza��o na ind�stria t�xtil, as smectites t�m in�meras aplica��es industriais, farmac�uticas e cosm�ticas. Entre os principais usos est� a prepara��o de lamas de perfura��o, de produtos de polimento e a fabrica��o de papel. As smectites tamb�m servem como aditivo em tintas ou como agente espessante para v�rias prepara��es.

Na ind�stria farmac�utica, as smectites dioct�dricas s�o o principal ingrediente da diosmectite (comercializada sob o nome de Smecta), um um preparado usado para tratar diarreia. No campo da cosm�tica, o uso tamb�m � bastante difundido, principalmente para a prepara��o de produtos usados em tratamentos contra o acne.

Em obras de engenharia civil, as smectites s�o rotineiramente utilizado como uma pasta espessa, geralmente designada por bentonite, na escava��o de valas profundas e estreitas no solo para apoiar as paredes laterais e evitar o seu colapso. As esmectitas, especialmente as chamadas bentonites, s�o usadas como materiais tamp�o e de recobrimento para preencher o espa�o ao redor de res�duos radioativos de alto n�vel em reposit�rios geol�gicos profundos.

  1. a b Friedrich Klockmann (1978) [1891], Paul Ramdohr, Hugo Strunz, ed., Klockmanns Lehrbuch der Mineralogie, ISBN 3-432-82986-8 (em alemão) 16. ed. , Stuttgart: Enke, p. 753 
  2. Departamento de Geociências Universidade de Évora; Elsa Sampaio. «MINERALOGIA DO SOLO» (PDF). Consultado em 27 de novembro de 2012 
  3. a b CNRLT (2012). «Smectite : Définition de smectite» [Smectite: Definition of smectite] (em francês). cnrtl.fr. Consultado em 28 de julho de 2022. Terre qui a la propriété de nettoyer. Earth that has the property of cleaning 
  4. a b c Ariel Provost & Cyril Langlois, Mini manuel de géologie - Roches et Géochimie: Cours et exercices corrigés, pp. 40-44. Dunod, Paris, 2011 (ISBN 978-2100566518).
  5. Barast, Gilles; Razakamanantsoa, Andry-Rico; Djeran-Maigre, Irini; Nicholson, Timothy; Williams, David (junho de 2017). «Swelling properties of natural and modified bentonites by rheological description». Applied Clay Science. 142: 60–68. doi:10.1016/j.clay.2016.01.008 
  • Meunier, Alain (2005). Clays. [S.l.]: Springer Science & Business Media. pp. 108–. ISBN 978-3-540-21667-4 
  • Mitchell, J. K. (2001). Physicochemistry of soils for geoenvironmental engineering. In Geotechnical and geoenvironmental engineering handbook (pp. 691-710). Springer, Boston, MA.
  • Mitchell, J. K., & Soga, K. (2005). Fundamentals of soil behavior (Vol. 3). New York: John Wiley & Sons.
  • Mackenzie, R. C., & Mitchell, B. D. (1966). Clay mineralogy. Earth-Science Reviews, 2, 47-91.
  • Jeans, C. V., Merriman, R. J., Mitchell, J. G., & Bland, D. J. (1982). Volcanic clays in the Cretaceous of southern England and Northern Ireland. Clay Minerals, 17(1), 105-156. https://doi.org/10.1180/claymin.1982.017.1.10
  • Wagner, J. F. (2013). Chapter 9: Mechanical properties of clays and clay minerals. In: Developments in Clay Science, 5, 347-381. Elsevier. https://doi.org/10.1016/B978-0-08-098258-8.00011-0

Ligações externas

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