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História dos judeus no Brasil

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(Redirecionado de Judaísmo no Brasil)
Judeus-brasileiros Brasil
Popula��o total

0,2% da popula��o do Brasil em 1999 (segundo Schwartzman);[1] 107.329 em 2010 (de religi�o judaica, segundo o censo)[2]

Regi�es com popula��o significativa
S�o Paulo 71.050 [3]
Rio de Janeiro 31.465 [3]
Rio Grande do Sul 9.860 [3]
Paran� 5.031 [3]
Minas Gerais 3.809 [3]
Pernambuco 2.477 [3]
Bahia 2.419 [3]
Par� 1.989 [3]
Amazonas 1.746 [3]
Distrito Federal 1.260 [3]
Cear� 779 [3]
L�nguas
Principalmente o portugu�s. Minorias de descendentes falam hebraico, yidish, alem�o, polon�s, russo e haquitia.
Religi�es
Juda�smo.
Grupos �tnicos relacionados
ashkenazim, sefaradim, mizrahim e outras divis�es �tnicas do Juda�smo.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE) compilados no Censo de 2010, havia nesse ano 148.329 judeus no Brasil, a segunda maior comunidade judaica da Am�rica Latina (atr�s apenas da Argentina) e a 11� no mundo.[2]

A imigra��o judaica no Brasil foi um movimento migrat�rio que teve in�cio com a coloniza��o do Brasil, quando judeus sefarditas e crist�os-novos se estabeleceram na col�nia. Nos s�culos XIX e XX, a imigra��o de judeus para o Brasil aumentou, e era composta sobretudo por judeus asquenazes do leste europeu.

Mais de 100 mil pessoas s�o de religi�o judaica no Brasil, mas o n�mero de descendentes que n�o praticam mais o juda�smo � incerto. Segundo pesquisa de 1999, do soci�logo Simon Schwartzman, 0,2% dos brasileiros entrevistados afirmaram ter ancestralidade judaica, percentual que, numa popula��o de cerca de 200 milh�es de brasileiros, representaria cerca de 400 mil pessoas.[1]

Brasil col�nia

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O Brasil foi palco para a primeira comunidade judaica estabelecida na Am�rica. Com a expuls�o dos judeus de Portugal, logo ap�s a sua descoberta, judeus convertidos ao catolicismo, chamados de crist�os-novos, estabeleceram-se na nova col�nia. Ao menos dois pisaram na terra quando Pedro �lvares Cabral chegou em 1500, fazendo parte de sua tripula��o: Mestre Jo�o, m�dico particular da Coroa Portuguesa e astr�nomo; e Gaspar da Gama, int�rprete (ajudara Vasco da Gama nas �ndias, onde vivia) e comandante da nau que trazia mantimentos.[4]

Uma popula��o numerosa de portugueses descendentes de judeus se estabeleceu no Brasil colonial. Durante v�rios s�culos, judeus, crist�os e mu�ulmanos conviveram de forma pac�fica na Pen�nsula Ib�rica. A Ib�ria era um lugar �nico na Europa onde o hibridismo criou uma sociedade culturalmente rica.[5] Os judeus chegaram � Pen�nsula Ib�rica antes do nascimento de Jesus Cristo e os isl�micos a invadiram no ano de 711, deflagrando uma maci�a imigra��o proveniente do Norte da �frica, de mouros. Mesmo ap�s os avan�os da Reconquista Crist� no s�culo XIII, a Espanha ainda tinha mais afinidade com a sociedade mu�ulmana do que com o resto da Europa.[5] Mesmo os crist�os-velhos (ib�ricos sem ascend�ncia judaica ou mu�ulmana) pareciam "ex�ticos" aos olhos dos europeus do Norte, pois absorveram diversos aspectos tanto da cultura judaica quanto da isl�mica. Os s�culos de conviv�ncia entre esses povos foram quebrados no s�culo XV e no s�culo XVI, quando a Inquisi��o foi estabelecida na Espanha (1478) e em Portugal (1536). Os Reis Cat�licos (Isabel I de Castela e Fernando II de Arag�o) tiveram um reinado conturbado. A Reconquista criou uma natureza militarizada da sociedade espanhola e a viol�ncia na Espanha foi exacerbada com a vit�ria das classes guerreiras durante esse per�odo. Depois que os crist�os conquistaram os territ�rios dos mouros, v�rias guerras civis eclodiram na regi�o da Espanha, amea�ando a estabilidade da monarquia. Era necess�rio desviar toda essa agressividade a um inimigo externo, criando um bode expiat�rio.[5] Dessa forma, toda a Espanha seria unida para combater um "inimigo" �nico, criando uma unidade nacional t�o desejada pelos Reis Cat�licos. Em momentos conturbados, as sociedades humanas costumam se voltar contra grupos amb�guos, tendo-os como perigosos e fazendo deles alvos de ataques. No caso espanhol, o grupo escolhido para ser atacado foi o dos judeus.[5]

Os convertidos ou crist�os-novos eram descendentes de judeus que haviam se estabelecido na Pen�nsula Ib�rica h� v�rios s�culos. Muitos deles eram descendentes de judeus que haviam se convertido ao catolicismo por livre e espont�nea vontade. Muitos eram crist�os devotos e irrepreens�veis.[5] Alguns deles, por�m, apesar de serem crist�os, mantinham alguns aspectos culturais judaicos no seu dia-a-dia. Formavam, portanto, um grupo amb�guo que n�o era visto pelos crist�os-velhos como iguais a eles, tampouco eram aceitos pelos judeus. Portanto, n�o foi dif�cil desmoraliz�-los e transform�-los em alvo de agressividade. Os crist�os-novos foram os primeiros a ser perseguidos pela Inquisi��o. Depois de terem sido proibidos de assumir certos cargos, muitos foram julgados pela Inquisi��o, foram presos, torturados, tiveram seus bens confiscados e foram queimados vivos. Finalmente, em 1492, os judeus foram expulsos da Espanha e a viol�ncia da Inquisi��o se voltou contra os mouros, mais tarde contra os protestantes, franco-ma�ons, bruxas, iluministas, jansenistas, homossexuais, b�gamos e qualquer grupo que desviasse dos padr�es impostos pela Igreja. Os pr�prios cat�licos passaram a ser v�timas da Inquisi��o, pois criou-se na Pen�nsula Ib�rica uma sociedade "paranoica e neur�tica", onde as pessoas eram vigiadas por seus vizinhos e qualquer comportamento suspeito j� ensejava uma den�ncia. A Inquisi��o foi mais uma entidade pol�tica do que religiosa, e era frequentemente usada pelas pessoas para se conseguir poder e eliminar inimigos indesej�veis.[5]

A Sinagoga Kahal Zur Israel, no Recife, em Pernambuco, foi a primeira sinagoga das Am�ricas.

Nesse ambiente perigoso, judeus e convertidos migraram em massa da Espanha para Portugal entre 1480 e 1496. Por�m, o rei Manuel I de Portugal pretendia se casar com a filha dos Reis Cat�licos e, como condi��o para aceitar o matrim�nio, o monarca espanhol pediu ao portugu�s que tamb�m expulsasse os judeus. Portanto, em 5 de dezembro de 1496, Portugal tamb�m decretou a expuls�o dos judeus, dando-lhes at� outubro do ano seguinte como prazo para sair. Todavia, estima-se que 10% da popula��o portuguesa fosse judia naquela altura, e o rei n�o podia se dar ao luxo de perder toda aquela popula��o e os benef�cios econ�micos que ela dava a Portugal.[5] Assim, o rei impediu a sa�da dos judeus de Portugal e decidiu que eles deveriam ser convertidos � for�a ao cristianismo. Portugal, ao contr�rio da Espanha, nunca teve o "problema mouro" para resolver. Ap�s a Reconquista, os isl�micos de Portugal j� estavam bastante "iberizados" e foram facilmente assimilados dentro da sociedade portuguesa. Na Espanha, por sua vez, ainda havia uma grande popula��o mu�ulmana n�o assimilada, e ela foi a pr�xima v�tima da Inquisi��o espanhola.[5] Portanto, a f�ria da Inquisi��o portuguesa se voltou exclusivamente contra os judeus e os convertidos. Durante os s�culos seguintes, muitas pessoas foram acusadas de cometer criptojuda�smo, ou seja, de praticar o juda�smo em segredo. De fato, muitos crist�os-novos, ao serem perseguidos como "judeus", apesar de muitos n�o praticarem mais o juda�smo e de serem cat�licos devotos, acabaram reacendendo o sentimento de ser judeu, dividindo membros da mesma fam�lia. Assim, houve casos de irm�os crist�os que denunciavam irm�os judeus para a Inquisi��o, e at� mesmo de um filho crist�o que denunciou a m�e judia.[5] Os inquisidores se debru�avam sobre a �rvore geneal�gica das pessoas para averiguar se certo indiv�duo tinha algum antepassado judeu. Surgiu a� o conceito de "limpeza de sangue" que atormentou a sociedade ib�rica. Muitos historiadores afirmam que o racismo moderno nasceu na Pen�nsula Ib�rica a partir de ent�o, com conceitos de "sangue puro" e "sangue impuro". Houve casos de pessoas que foram queimadas por possu�rem um trisav� judeu, apesar de desconhecerem tal origem. Isso deixou a sociedade em estado de paranoia, pois muitas pessoas passaram a temer que houvesse algum judeu em sua �rvore geneal�gica.[5]

A Am�rica Latina se tornou um destino visado por esses judeus e crist�os-novos perseguidos. Se na Pen�nsula Ib�rica eles foram transformados em "bodes expiat�rios", no Novo Mundo havia outras v�timas a ser perseguidas: os �ndios e os negros. Portanto, no Continente Americano, onde a persegui��o j� come�ava a assumir um v�eis racial, esses judeus e convertidos, inclu�dos na categoria de "brancos", encontraram um ambiente onde eles eram menos notados e onde a agressividade estava se voltando contra outras v�timas.[5] Assim, no M�xico, em 1550, em torno de 20% da popula��o europeia era formada por convertidos. No Peru, a propor��o era de dois convertidos para um crist�o-velho. Em Porto Rico, havia reclama��es de que comerciantes judeus estavam "ocupando a ilha". Em Cuba, oficiais reclamavam que costumes judaicos estavam sendo ensinados aos �ndios. No Brasil, o n�mero de crist�os-novos era t�o grande que, devido � aus�ncia de outros portugueses alfabetizados, muitos deles ocupavam cargos oficiais, apesar de haver uma proibi��o real. Para o s�culo XVI, estima-se que crist�os-novos compunham 14% da popula��o "branca" em Pernambuco.[6] Entre 1579 e 1620, 32% dos donos de engenhos de cana-de-a��car em Pernambuco eram de origem judaica.[6]

Pesquisadores encontraram certas peculiaridades da cultura judaica ainda sendo praticadas na Espanha, em Portugal e no Brasil em momentos recentes. S�o aspectos culturais praticados por pessoas que se dizem crist�s e que desconhecem qualquer v�nculo com o juda�smo, o que mostra como foi grande a influ�ncia judaica, mesmo ap�s s�culos de expuls�es e convers�es for�adas.[5]

Entre o fim do s�culo XVI e meados do s�culo XVII, v�rios crist�os-novos prosperaram a ponto de se tornar senhores de engenho, fazendo casamentos com crist�os-velhos e integrando a aristocracia a�ucareira do Nordeste. Outros, por�m, permaneceram nas classes mais baixas como artes�os, agricultores e pequenos comerciantes. A Coroa Portuguesa havia proibido sua participa��o na governan�a colonial, mas a proibi��o n�o foi aplicada com rigor, havendo registro de muitos crist�os-novos com cargos pol�ticos nas vilas e posi��es de alto escal�o na burocracia e no clero. Com a chegada da Inquisi��o ao Brasil em 1591 a situa��o dos crist�os-novos se tornou complicada. Postos sob desconfian�a de manterem pr�ticas judaicas, ocorreram den�ncias de heresias, pris�es e persegui��es.[7]

S�culos XIX e XX

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Em 1810 o tratado comercial entre Portugal e a Inglaterra incluiu em suas cl�usulas a liberdade de culto religioso, e com a promulga��o da Constitui��o do Imp�rio a liberdade foi confirmada. Isso incentivou uma nova onda de imigra��o judaica.[7] Somente a partir desta �poca que os judeus no Brasil passam a assumir abertamente sua identidade religiosa, cultural e hist�rica.[8] Na Europa, os judeus enfrentavam constantemente os denominados pogroms, que consistiam em persegui��es em massa realizadas contra judeus, incluindo saques e destrui��es de casas, realizados em v�rios pa�ses da Europa Ocidental e Oriental, e tal situa��o fez com que se iniciasse, no final do s�culo XIX, uma emigra��o para fora do Continente, sobretudo para os Estados Unidos.[9]

Entre 1872 e 1972, entraram no Brasil mais de 90 mil imigrantes de religi�o judaica. O per�odo mais importante foi entre 1920 e 1939, quando 50 mil judeus entraram no Brasil. A maioria desses imigrantes era de asquenazes provenientes do Imp�rio Russo, dos B�lc�s e da Europa Central, mas principalmente da Pol�nia. Desde finais do s�culo XIX, os Estados Unidos foram o destino de centenas de milhares de imigrantes judeus, e a Argentina ocupava uma posi��o secund�ria. Todavia, na segunda metade da d�cada de 1920, esses dois pa�ses introduziram restri��es � entrada de determinados grupos de imigrantes, fato que culminou no aumento da imigra��o judaica para o Brasil.[8]

Alguns imigrantes judeus sefarditas come�aram a chegar ao Brasil no s�culo XIX, vindos principalmente do Marrocos, estabelecendo-se na Amaz�nia, principalmente em Bel�m, onde fundaram em 1824 a mais antiga sinagoga ainda em funcionamento no Brasil. O isolamento imposto aos sefarditas na Amaz�nia chamou a aten��o de rabinos no Marrocos. No in�cio do s�culo XX, decidiram enviar um rabino � Amaz�nia para angariar fundos para uma yeshiv� no Marrocos (ou em Jerusal�m, n�o se sabe ao certo) e fiscalizar o cumprimento das normas religiosas pela comunidade estabelecida na floresta. O rabino Shalom Emanuel Muyal chegou � regi�o em 1908 ou 1910, mas, dois anos depois de chegar a Manaus, morreu, provavelmente depois de contrair febre amarela. Curiosamente, o rabino acabou por ganhar fama de santo milagreiro entre os cat�licos locais. Foi enterrado no cemit�rio crist�o, pois n�o havia, ent�o, cemit�rio judeu na cidade, e sua sepultura tornou-se local de peregrina��es. Zeloso, o rabino da sinagoga de Manaus mandou construir um muro ao redor do t�mulo, mas foi pior: os devotos cat�licos passaram a usar o muro como suporte para placas e quadros em que fazem seus pedidos ao rabi Muyal e tamb�m proclamam as gra�as alcan�adas. "Ele se tornou o santo judeu dos cat�licos da Amaz�nia", admite Isaac Dahan, da sinagoga de Manaus. Nos anos 1960, quando seu sobrinho, ent�o ministro de governo do j� criado Estado de Israel, tentou trasladar os restos mortais do santinho, houve protestos populares, e o governo do Amazonas pediu-lhe que n�o o fizesse. Enfim a sepultura do rabi Muyal foi para o cemit�rio judaico, anexo ao cat�lico, e o santo rabi continuou a ser venerado no Amazonas.[10][11]

Sinagoga Beth-El, localizada no centro de S�o Paulo.

No Recife, entre o fim do s�culo XIX e o in�cio do s�culo XX, instalou-se uma comunidade constitu�da em sua maior parte por judeus de origem asquenaze provenientes de pa�ses como Pol�nia, Ucr�nia, R�ssia, �ustria e Alemanha. Alguns membros da comunidade asquenaze de Pernambuco tornaram-se not�rios, como M�rio Schenberg, Leopoldo Nachbin, Paulo Ribenboim, Aron Simis, Israel Vainsencher, Clarice Lispector, Le�ncio Basbaum, Noel Nutels, dentre outros.[12]

Com a Proclama��o da Rep�blica do Brasil, uma nova Constitui��o foi promulgada, garantindo liberdade religiosa no Brasil, o que facilitou a vinda de imigrantes judeus, desta vez um grande n�mero de asquenazes: a maior parte era proveniente do Leste europeu, regi�es da atual Pol�nia, R�ssia e Ucr�nia. A maioria desembarcava no porto de Santos e rumava para a cidade de S�o Paulo onde rapidamente constituiu-se uma pr�spera comunidade de comerciantes judeus. Al�m de S�o Paulo (principalmente no Bom Retiro), os judeus marcaram presen�a no Rio de Janeiro, no Sul do Brasil e em outras partes do pa�s. No Rio Grande do Sul a fazenda Philipson, fundada no ano de 1904, � considerada como a formadora da primeira escola judaica no Brasil e est� localizada no munic�pio de Itaara. Posteriormente os imigrantes e descendentes migraram do Bom Retiro para regi�es nobres da cidade de S�o Paulo, como Higien�polis e Jardins.[13] Na mesma �poca membros da comunidade judaica come�aram a se instalar no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, que permanece como s�mbolo da coloniza��o judaica na cidade.[14] Uma das sinagogas do bairro, a União Israelita de Porto Alegre, completou o seu centenário em 2010 e é uma das mais antigas do Brasil e a quarta das Américas com atividades ininterruptas.[15]

Sinagoga União Israelita de Porto Alegre no bairro Bom Fim.

Na década de 1920 o afluxo de judeus se intensificou com a chegada de dezenas de milhares de pessoas. Quando a imigração judaica cresceu o Brasil iniciava sua transição para uma sociedade crescentemente urbana e industrializada. Nesse contexto, os judeus concentravam-se nas áreas do comércio e dos pequenos empreendimentos domésticos. Desde a Antiguidade, os judeus apresentam características predominantemente urbanas e os imigrantes que vieram para o Brasil repetiram esse paradigma. Quase todos os judeus brasileiros estabeleceram-se em centros urbanos, e em 1940, 74,3% dos judeus do Brasil estavam concentrados em apenas três cidades: São Paulo, no Rio de Janeiro e Porto Alegre. Em 1980 quase 83% de todos os judeus brasileiros ainda lá se concentravam.[8]

Com a ascensão do nazismo na Alemanha e do fascismo na Itália na década de 1930, uma grande população judia fugiu, mas como muitos países mantinham restrições de imigração, boa parte dos refugiados teve dificuldade de encontrar um novo lar no exterior. No Brasil entraram muitos imigrantes, até que em 1935 o governo de Getúlio Vargas começou a negar os vistos de imigração mesmo para turistas. Vargas estava envolvido num projeto de abrasileiramento forçado das minorias étnicas, e neste contexto a chegada de novos grupos se tornava um problema adicional.[16] A partir de 1937, o Ministério das Relações Exteriores emitiu pelo menos 26 circulares secretas impondo barreiras à entrada de judeus, embora publicamente o governo apresentasse o país como amigável aos estrangeiros.[17] A despeito das restrições, a imigração continuou de forma clandestina. Neste período houve mesmo ameaças de deportação em massa de judeus, e embora elas nunca tenham sido concretizadas, vários indivíduos que haviam se envolvido em movimentações políticas foram exilados.[16] Depois de Vargas se alinhar aos países do Eixo, a chamada "questão judaica" passou para o segundo plano, surgindo defensores da presença de judeus no país.[8] No pós-guerra os judeus imigrantes e seus descendentes já estavam bem integrados ao contexto brasileiro, e atuavam em todas as esferas da vida nacional, mas as restrições à imigração só foram abolidas definitivamente em 1950. Até esta data, sabe-se que cerca de 16 mil judeus tiveram seu visto de entrada recusado, mas esse número provavelmente é muito maior.[17]

À medida que se integravam, fundaram jornais, bibliotecas, escolas, associações de ajuda mútua e de apoio a recém-chegados; entraram na atividade político-partidária; participaram da articulação do movimento sionista, e fundaram sociedades para a preservação da cultura judaica e de apoio das comunidades que cresciam. Na década de 1960 muitos judeus entraram na oposição à ditadura militar, mas com a publicação do AI-5 e o endurecimento da repressão política, uma expressiva quantidade de judeus brasileiros se transferiu para Israel.[18]

Uma característica marcante da população judaica no Brasil é a uma taxa de natalidade reduzida precocemente. Em 1940, havia 55.563 judeus no Brasil, número que cresceu para 96.199 em 1960. Em algum momento da década de 1960, a taxa de natalidade da comunidade judaica tornou-se negativa e ela passou a encolher: em 1991, os judeus estavam reduzidos a 86.417 pessoas.[9] Parte desse fenômeno se deve ao expressivo declínio da imigração que se verificou a partir da década de 1960, e também à crescente taxa de assimilação por casamentos mistos e secularização.[8] Em anos recentes em algumas comunidades a taxa de casamentos mistos ultrapassa os 50%.[19] O censo brasileiro de 2010 registrou 107.329 judeus no país.[3]

Segundo pesquisas de Monica Grin e Michel Gherman, no Brasil a definição de judaísmo é flexível. Para alguns ela é baseada na prática da religião, mas para outros ela se baseia principalmente em aspectos de natureza social, cultural, étnica e histórica. De modo geral os que se auto-identificam como judeus brasileiros na atualidade possuem alta escolaridade, nível de vida acima da média e uma fraca adesão à religião tradicional. Entre os que praticam assiduamente a religião, há uma predominância dos grupos ortodoxos, numa tendência que vem crescendo desde os anos 1980 sob influência do fortalecimento da religiosidade de índole conservadora em curso tanto nos Estados Unidos como em Israel.[19]

Em anos recentes tem havido uma crescente apropriação de símbolos judaicos por grupos não judeus, geralmente cristãos e conservadores, em um processo de aproximação com as ideologias e políticas conservadoras e direitistas e criação de uma imagem mitificada de Israel, que, segundo Gherman, "reorganiza identidades políticas, ideológicas e religiosas entre judeus e não judeus no Brasil" e provoca uma cisão entre judeus de esquerda e judeus de direita.[20]

Ancestralidade

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Perguntados sobre sua origem étnica, os judeus brasileiros responderam:[21]

Referências

  1. a b Simon Schwartzman (1999). «Fora de foco: diversidade e identidades étnicas no Brasil». Consultado em 7 de janeiro de 2016 
  2. a b Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (ed.). «Tabela 1.4.1 - População residente, por situação do domicílio e sexo, segundo os grupos de religião - Brasil - 2010» (PDF). Consultado em 8 de fevereiro de 2015 
  3. a b c d e f g h i j k l Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (ed.). «Censo Demográfico 2010: Características gerais da população, religião e pessoas com deficiência». Consultado em 19 de julho de 2016 
  4. Arantes, José Tadeu. "Livro resgata história da imigração judaica no Brasil". EBC, 23/04/15
  5. a b c d e f g h i j k l Toby Green (2011). Inquisição- O Reinado do Medo. [S.l.]: Objetiva. pp. 463–463 
  6. a b Keila Grinberg. Os judeus no Brasil - Inquisição, imigração e identidade. [S.l.: s.n.] pp. – 
  7. a b "Judeus no Brasil: Cristãos-novos no Brasil colônia". In: Brasil 500 Anos. IBGE
  8. a b c d e Decol, René Daniel. "Judeus no Brasil: explorando os dados censitários" In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2001; 16 (46)
  9. a b Erro de citação: Etiqueta <ref> inválida; não foi fornecido texto para as refs de nome judeus
  10. "Amazônia, terra prometida". Veja, n° 1946, 8 de março de 2006.
  11. Heller, Reginaldo Jonas. "Los Nuestros. Os marroquinos na Amazônia". In: Morashá, 2006 (55)
  12. «A Memória Judaica em Pernambuco» (PDF). Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco. Consultado em 24 de maio de 2015 
  13. Bolaffi, Gabriel. "A nova ortodoxia judaica em São Paulo". Resenha do livro de Marta F. Topel, Jerusalém & São Paulo: a nova ortodoxia judaica em cena; Rio de Janeiro, Topbooks, 2005. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2006; 21 (60) supl. 60
  14. «A Imigração - História». Consultado em 4 de novembro de 2009. Arquivado do original em 4 de novembro de 2009 
  15. "Sinagoga comemora o centenário". Correio do Povo, 16/10/2010
  16. a b "Judeus no Brasil: A política imigratória do Estado Novo". In: Brasil 500 Anos. IBGE
  17. a b Fellet, João. "A época em que o Brasil barrou milhares de judeus que fugiam do nazismo". BBC, 20/01/2019
  18. "Judeus no Brasil: Vida social, política e cultural". In: Brasil 500 Anos. IBGE
  19. a b Magalhães, Thamiris. "Cultura judaica e brasileira. Uma síntese?". In: Revista do Instituto Humanitas — Unisinos, 2012 (400)
  20. Gherman, Michel "Não judeus-judeus: a direita bolsonarista e os novos conversos". In: Revista Rosa, 2020; 2 (3)
  21. Fora de foco: diversidade e identidades étnicas no Brasil, por Simon Schwartzman.

Ligações externas

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